Na primeira parte desse tema [veja aqui] falamos sobre a necessidade de uma alteração na alimentação para que seja possível emagrecer. Na segunda parte vamos falar sobre qual a função do exercício no emagrecimento.
Nosso ACC (ancestral caçador coletor) tinha uma alimentação estimada em cerca de 45-65% de alimentos de origem animal [1] com significativa quantidade de gordura saturada [2], os alimentos de origem animal podiam representar até 50% da sua ingestão calórica [1] e uma ingestão reduzida de carboidratos, que correspondia a cerca de 20% das calorias de sua dieta [1]. Mesmo com uma ingestão elevada de alimentos de origem animal e consequente ingestão de gordura saturada [2] e sem a ingestão de cereais [3], que somente passaram a existir após o surgimento da agricultura, as doenças vasculares como infarto e acidente vascular cerebral eram praticamente inexistentes[2-3]. Esse tipo de alimentação não foi "escolhida" pelo nosso ACC, ele não optou por ela porque "gostava" de alimentos de origem animal, ela foi "imposta" pela oferta de alimentos que existiam no período de nossa evolução que precede o surgimento da agricultura. Assim podemos dizer que a alimentação de nosso ACC não foi uma escolha e sim foi determinada pela evolução.
Como eu já havia escrito anteriormente [veja aqui], sabemos que nosso ACC tinha um IMC médio estimado de 21,5kg/m², que quando comparado com as médias atuais é menor. Seu percentual de gordura era menor do que 15% para os homens e menor do que 25% para as mulheres. Sabemos então que nosso ancestral tinha uma alimentação muito semelhante a alimentação que recomendei na primeira postagem sobre esse tema [veja aqui] e quanto ao exercício? Ele fazia alguma coisa?
O antropologista Dr. Kim Hill, da Universidade do México, estudou por 30 anos tribos de caçadores coletores no Paraguai e Venezuela [4], através do seu trabalho podemos ter uma boa ideia de quais eram as atividades diárias do nosso ancestral. As caçadas de grandes animais exigiam que distâncias médias entre 10-12 km fossem percorridas por dia (correndo e caminhando) e durante essas caçadas cerca de 1-2 km eram percorridos com esforços vigorosos e extenuantes. Uma dessas tribos os Ache no Paraguai, quando caçavam macacos mantinham velocidades de caminhada entre 1,5 e 3 km/h na selva, porém era necessário que períodos de até 60 minutos fossem cumpridos realizando tiros de 20 a 30 segundos em ritmo extenuante. Após as caçadas era necessário carregar as presas abatidas, que podiam pesar vários quilos, por longas distâncias.
O trabalho de busca de alimento era feito em um regime de cooperação entre homens e mulheres e entre mulheres e mulheres [5], mas elas não participavam das caçadas de grandes animais [6]. As mulheres normalmente cumpriam as tarefas que envolviam a caçada de pequenos animais, coleta de vegetais, raízes e busca por água [6]. Uma tarefa realizada pelas mulheres envolvia carregar as crianças no colo até que completassem 4 anos de idade. E durante esse período percorriam distâncias de 4800 km [7].
O'Keefe e colaboradores descrevem em dois trabalhos [5, 8] como seria um programa de treinamento baseada nos esforços do nosso ACC, as característica são as seguintes:
- Grande parte do dia gasto com atividades de intensidade leve a moderada como caminhar. Estimativa de 6-16 km/dia, com gasto calórico em atividade física entre 800-1200kcal.
- Dias pesados seguidos de dias fáceis. Amplo tempo gasto com repouso, relaxamento e sono.
- Corridas e caminhadas em superfície naturais como grama, terra e pisos irregulares.
- Esforços extremamente vigorosos 1-2x/sem.
- Variar os tipos de exercício.
- Sessões regulares de treinamento de força e flexibilidade. 2-3x;sem; 20-30min/sessão.
- Menor trauma devido ao peso corporal.
- Exercícios ao ar livre.
- Exercitar-se com 1 companheiro ou um pequeno grupo.
- Exceto os muito jovens ou os muito velhos, exercitavam-se por toda vida.
Para responder essa pergunta vamos analisar o que a Ciência Baseada em Evidências diz sobre emagrecimento através de dieta quando comparado com emagrecimento através de dieta mais exercício. Os trabalhos que geram resultados com maior significância são as meta-analises [ veja em Ciência Baseada em Evidências ]. Dois desses trabalhos [9, 10] mostraram que a diferença de perda de peso entre somente dieta e dieta mais exercício é praticamente nenhuma.
O primeiro [9] avaliou 28 estudos realizadas entre 1966 e 1993 e demonstrou uma perda de peso de 3kg através do exercício aeróbico. Os autores concluíram que a perda de peso gerada pelo exercício era modesta quando não combinado com dieta.
O segundo [10] avaliou 493 trabalhos sobre o mesmo tema, mostrando que somente com dieta a perda de peso durante 15 semanas foi de 10,7kg, somente exercício gerou uma perda de 2,9kg e dieta mais exercício gerou uma perda de peso de 11kg.
Uma terceira meta analise [11] que avaliou 6 estudos envolvendo pessoas com obesidade e sobrepeso apresentou um resultado um pouco diferente. A intervenção dieta e exercícico gerou uma redução de 13kg, enquanto a intervenção dieta gerou uma redução de 9,9kg. Uma questão que deve ser levantada é a seguinte:
Imagine uma pessoa com 1,75m e 96kg, ela teria um IMC de 31,4kg/m². Se ela fizesse exercício e dieta e perdesse 13kg seu IMC cairia para 27,1kg/m². Agora, se ela fizesse somente dieta e perdesse 9,9kg seu IMC cairia para 28,1kg/m².
Bem! O que isso significa? Tanto com dieta como com dieta e exercício ela deixaria de ser obesa [IMC > 29,9kg/m²] e entraria na classificação de sobre peso [IMC entre 25 e 29,9kg/m²]. Ou seja o resultado final não seria muito diferente.
Considerando essas informações podemos levantar a hipótese que de o mais importante para a determinação do peso do nosso ACC era sua dieta e não seu "programa de exercícios".
Mas Carlinhos, tudo mundo fala que também é importante fazer exercícios para termos um gasto significativo de gordura!
É inegável que o exercício aeróbico leva a pessoa ao gasto gordura corporal durante a atividade. Agora quanto realmente gastamos de gordura durante o exercício? Esse gasto depende de variáveis como sexo [12] e nível de treinamento [13]. Uma pessoa treinada apresenta uma oxidação máxima de gordura em um esforço que corresponde a cerca de 60% da sua capacidade aeróbica [13] e isso significa 0,5 gramas de gordura por minuto [13]. em pessoas destreinadas isso pode diminuir em 50% [1].
Considere que 1kg de gordura tem 1000 gramas, uma pessoa treinada precisaria de quantos minutos de exercício para gastar 1kg de gordura? A resposta é 1923 minutos ou 32 horas. Isso significa cerca de 13 semanas para gastar 1kg de gordura, se a pessoa fizer sessões de 30 minutos, 5 vezes por semana.
Se essa pessoa completar esse programa de exercício aeróbicos ela vai gastar 1kg de gordura em 13 semanas, porém se sua alimentação for rica em carboidratos ela irá gerar uma alteração hormonal que levará ao acumulo de gordura nas células adiposas. Esse acumulo dependerá da quantidade de carboidratos ingerida, se for uma quantidade pequena ela pode assim mesmo emagrecer, porém se for uma quantidade grande o emagrecimento poderá ser difícil ou não acontecer.
No final das contas o importante é realmente gastar gordura para emagrecer, mas esse gasto de gordura não depende somente do exercício. Se você gasta uma quantidade x de gordura durante o exercício é importante ter uma alimentação adequada para não ter acumulo de gordura nas células adiposas durante as outras horas do dia em que você não está treinando. Você precisa transformar seu organismo em "gastador de gordura", isso se faz através de uma alimentação adequada [veja aqui] e usando o exercício da forma mais efetiva possível.
Ok Carlinhos qual é forma mais efetiva de exercício para o emagrecimento? A resposta dessa pergunta é o tema da terceira parte das postagens sobre esse tema!
Abraços...
Carlinhos.
Referências:
1. Cordain L, et al. Plant-animal subsistence ratios and macronutrient energy. Am J Clin Nutr.71:682, 2000.
2. Prior IA, et al. Cholesterol, coconuts, and diet on Polynesian atolls: a natural experiment: the Pukapuka and Tokelau Island studies. Am J Clin Nutr.34:1552, 1981.
3. Lindeberg S. et al. Age relations of cardiovascular risk factors in a traditional Melanesian society: the Kitava. Am J Clin Nutr.66:845, 1997.
4. Loren C, Friel J. The Paleolithic Athlete: The Original Cross Trainer. In Ed. Sands RR, Sands LR (ed): The Anthropology of Sport and Human Movement – A Biocultural Perspective. Lexington Books – Maryland 2010.
5. O´Keefe JH, et al. Organic Fitness: Physical Activity Consistent with Our Hunter-Gatherer Heritage. Phys and Spotrsmed. 2012;38:1-8.
6. Cordain L, Friel J. The Paleo Diet for Athletes: A Nutritional Formula for Peak Athletic Performance. New York: Rodale Books; 2005. In O´Keefe JH, et al. Achieving Hunter-gatherer
Fitness in the 21st Century: Back to the Future. Am J Med. 123;12:1082-1082, 2010.
7. Panter-Brick C. Sexual division of labor: energetic and evolutionary scenarios. Am J Hum Biol. 2002;14:627-640.
8. O´Keefe JH, et al. Achieving Hunter-gatherer Fitness in the 21st Century: Back to the Future. Am J Med. 123;12:1082-1082, 2010.
9. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=7713045
10. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9347414
11. Curioni CC et al. Long-term weight loss after diet and exercise: a systematic review. Internation Journal of Obesity 25, 1168-1174, 2005.
12. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=15333616
13. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=14598198
Adoro seus posts por serem muito informativos, fáceis de compreender, mas principalmente por serem baseados em pesquisas científicas. Parabéns por mais estas postagens sobre o tema!
ResponderExcluirObrigado pelo elogio...espero que tu gostes também da parte 3...até mais!
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