quinta-feira, 30 de julho de 2015

Exercícios de Força e Ginástica Laboral

As atividades profissionais da grande maioria das pessoas envolvem atividades sedentárias, ainda mais nos dias de hoje onde a importância dos meios eletrônicos cresce a cada dia. Esse ambiente sedentário esta relacionado com uma série de enfermidades como problemas de coluna e lesões crônicas.


Com o objetivo de diminuir o risco desses problemas foi criada a ginástica laboral em meados dos anos 1920. A ginástica laboral é uma modalidade de exercício realizada no ambiente de trabalho e tem como objetivos:
  • Aliviar o estresse e as tensões acumuladas, provocadas pelo excesso de trabalho;
  • Reeducar a postura corporal, principalmente para trabalhos que exijam movimentos repetitivos;
  • Diminuir o sedentarismo e a fadiga;
  • Aumentar o ânimo, melhorar o desempenho no trabalho e a integração no grupo de trabalho;
  • Prevenir lesões nas mãos, ombros, coluna, punhos e as doenças como LER (Lesões por Esforços Repetitivos).

A ginástica laboral pode ser dividida em dois tipos [1], a preparatória e compensatória. A ginástica laboral preparatória é realizada antes das atividades de trabalho ou nas primeiras horas do turno de trabalho. Envolve exercícios de alongamento e aquecimento. Por sua vez a ginástica laboral compensatória é realizada no meio da jornada de trabalho, são realizados exercícios de descontração muscular e relaxamento, tendo com objetivo diminuir a fadiga e o risco de enfermidades profissionais crônicas.

Normalmente os exercícios de força não são utilizados em programas de ginástica laboral, uma dos motivos pode ser o fato que os períodos de tempo dedicados às sessões de ginástica laboral sejam de até 15 minutos diários. Como as sessões de exercícios de força são normalmente maiores isso impossibilitaria sua inclusão em um programa.

Sobre esse tema em junho deste ano foi publicado um trabalho [2] muito interessante. O objetivo do estudo foi avaliar a influência da inclusão de exercícios de força para grandes grupos muscular em programa de ginástica laboral sobre a percepção de dor e estados de humor.

Vinte trabalhadores com idade média de 24 anos foram aleatoriamente divididos em grupo experimental com 10 pessoas e um grupo controle com outras 10 pessoas. Enquanto o grupo controle permaneceu com 5 sessões semanais de alongamento com duração de 15 minutos, o grupo experimental substituiu 3 dessas sessões por sessões de exercícios de força para grandes grupos musculares (3 séries de 5 exercícios com duração de também 15 minutos) por durante oito semanas.

A composição corporal, a força máxima, a sensação de dor (através do questionário NMQ - Nordic Musculoskeletal Questionnaire) e o estado de humor (através do questionário POMS - Profile of Mood States) foram avaliadas após 4 semanas e também  ao final do treinamento.


O grupo experimental (exercícios de força) mostrou um ganho de força 22,9% em comparação aos 4% do grupo controle. O ganho de força do grupo experimental foi seguido por uma diminuição significativa na escala de fadiga e dor corporal e também melhora no estado humor, que não ocorreram no controle grupo. Não houve alteração na composição corporal em ambos os grupos.

Segundo os autores os resultados indicam que a inclusão de três sessões semanais de exercícios de força com duração de 15 minutos promove benefícios adicionais de saúde em um programa de ginástica laboral.

Esse trabalho mostra a importância da inclusão de exercícios de força em uma rotina de treinamento seja em casa, na escola, na empresa ou na academia. Mostra também que não é necessário que você treine 1 ou 2 horas por dia. Para finalizar esse trabalho reforça minha abordagem evolutiva do treinamento.

Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com

Referências:
  1. http://www.confef.org.br/RevistasWeb/n13/02_GINASTICA_LABORA.pdf
  2. Sena KF, et al 2015. Short-Duration Resistance Training in Company Exercise Programs Promotes Strength Gains and Reduces Pain in Workers.


terça-feira, 7 de julho de 2015

Tênis Corrida – A capacidade de absorção de impacto ou o valor realmente são importantes para prevenção de lesões

Durante uma corrida de 1600 metros um corredor completa cerca de 1600 passadas e quando o pé toca o solo determinado grau de impacto é gerado. Este impacto pode estar associado com lesões [1] já que quando é repetido muitas vezes pode gerar alterações fisiológicas relacionadas com degeneração articular e osteoartrite [2].

Para evitar lesões os tênis de corrida são projetados para reduzir as forças de impacto [1] e fazem isso através dos diferentes sistemas de amortecimento. Os calçados com maior capacidade de absorção de impacto são recomendados para diminuir o risco de lesões [3]. Você pode clicar aqui e assistir um vídeo rápido que resume as diferentes tecnologias usadas por um famoso fabricante com esse objetivo.

Se perguntarmos para qualquer pessoa por qual motivo devemos usar um tênis para correr, acredito que grande maioria vai dizer que devemos usar para diminuir o impacto. Nessa linha existem diferentes modelos com esse objetivo, entre eles temos:

Nike Air Max

Asics Nimbus

Mizuno Wave

Hoka Shoes




A ideia por trás de todas essas tecnologias é fazer que no momento do contato do nosso pé com o solo a maior parte do impacto seja absorvido pelo solado e dessa forma diminua o estresse gerado sobre nossas articulações, ossos, tendões e músculos. Mas isso realmente acontece?

Em 1997 foi realizado um trabalho [4] muito interessante. Doze pessoas entre 24 e 38 anos e pesando entre 53 e 108 kg foram avaliadas em relação ao impacto e ao equilíbrio no momento em que pisavam em uma plataforma de força, que é um equipamento capaz de medir o impacto.

Plataforma de Força


Eles pisaram em quatro diferentes situações. Em três delas a plataforma foi coberta por um “tapete” de  ethyl-vinyl acetate (EVA), material utilizado na construção da entressola dos tênis de corrida. Foram usadas três diferentes espessuras de EVA e as pessoas também pisaram na plataforma rígida sem nenhum tipo de cobertura.

EVA

Os resultados demonstraram que quando mais macia era a superfície maior era a força de impacto vertical gerada, ou seja, o menor impacto vertical foi gerado quando as pessoas pisavam na plataforma rígida sem nenhum tipo de amortecimento. Segundo os autores isso ocorre, pois quando pisamos em uma superfície rígida nosso sistema de propriocepção gera informações sobre nossa necessidade de equilíbrio que nós faz usar estratégias de movimento que acabam diminuindo o impacto.  Já quando pisamos em uma superfície macia essas estratégias de diminuição do impacto ficam prejudicadas. Eles também afirmam que esses dados indicam que os calçados com solados muito macios e espessos deveriam ser redesenhados.

As informações fornecidas pelo trabalho citado anteriormente podem colocar em dúvida a noção de que quanto maior a capacidade de absorção de um calçado de corrida menor serão os riscos de lesões. Acredito que a noção de calçados esportivos de custo elevado e menor risco de lesões tenha sofrido um duro golpe em 1984. Neste ano foi realizado um trabalho que avaliou 5000 participantes de um prova de corrida de 16 km realizada em Berna na Suíça [4,5]. Os autores concluíram que os corredores que utilizavam os calçados mais caros tinham 123% mais chance de lesões do que aqueles que utilizam calçados mais baratos.

Em 1985 foi realizado um trabalho [6] que comparou a capacidade de absorção de impacto de diferentes calçados de corrida. Essa variável foi medida com o calçado sem uso e após 5, 10, 15, 25, 50, 75, 100, 125, 150, 200, 250, 300 e 500 milas de corrida (1 milha é igual a 1,6 km). Os resultados demonstraram que a redução na capacidade de absorção de impacto não estava relacionada com o valor ou modelo do calçado, ou seja, não faz diferença quanto você gasta para comprar um tênis ou qual modelo você escolhe uma redução de 40% na capacidade de absorção de impacto irá acontecer após você percorrer cerca de 400 quilômetros.

Essa informação pode ser usada para recomendar a compra de um novo tênis de corrida a cada 400 km corridos? Pensando em vendas, sim! Outra questão pode ser levantada, o que realmente diminui o risco de lesões em corredores?

Em 1989 em trabalho chamado The Ontario Cohort Study of Running-Related Injuries [7] acompanhou 1860 corredores por 12 meses e avaliou a incidência de lesões musculares. 84% tiveram pelo menos uma lesão e 54% dessas lesões eram novas. O risco de lesões foi associado com a quilometragem percorrida, mas não apresentou relação com a intensidade de treinamento, tipo de terreno e outros aspectos do treinamento. A incidência de lesões não foi diferentes entre homens e mulheres e também não foram diferentes quando nível de experiência foi avaliado. Os corredores que tinham tido uma lesão no ano anterior apresentavam 50% mais chances de uma nova lesão.

Uma revisão [8] avaliou 11 trabalhos que mediram os fatores associados com lesões em corredores. Nestes 11 trabalhos estavam envolvidos 4.671 participantes e o principal fator associado com maior risco de lesões foi a existência de lesões nos 12 meses anteriores. Outros dois importantes fatores relacionados com maior incidência foram a quilometragem semanal e o número de sessões semanais de treinamento. A relação com esses fatores e maior incidência de lesões já havia sido identificado por Wen DY [9] em 2007.

Essas informações nos fazem pensar que as lesões prévias, o volume de treinamento e o intervalo entre as sessões devam receber mais atenção na prevenção de lesões em corredores do que a utilização do calçados mais caros ou com maior tecnologia. O controle sobre essas variáveis com esse objetivo se mostrou efetivo em um trabalho realizado em 1994 [10], onde 41 corredores recreacionais de longa duração foram divididos por sexo, idade, peso, estatura, experiência, tipo de treinamento e incidência de lesões nos últimos 12 meses. Foram então formados dois grupos, um recebeu orientações sobre técnicas de corrida, volume de treinamento e número de participações me provas (grupo experimental) e outro grupo serviu de controle e não recebeu essas informações. Mesmo que após um 1 ano de observação a diferença total do número de lesões entre os dois grupos tenha sido de 8 lesões (29 grupos controle e 21 grupo experimental) a incidência de lesões para cada 1000 horas de corrida foi significativamente menor no grupo experimental, 30,7 versus 62,5.

Com as informações levantadas até aqui podemos dizer que se você realmente quer correr com menor risco de lesões deve procurar orientações de um profissional habilitado sobre quais técnicas de corrida devem ser utilizadas, como devem ser suas sessões de treinamento, qual deve ser o intervalo entre as sessões e principalmente tratar de forma adequada uma lesão que você venha a ter. Se você colocar o valor isso em segundo plano e achar que o calçado de corrida é muito importante estará cometendo um erro.

Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com

Referências:
  1. Spurgeon BE. 2005. Do Running Shoes Protect all Runners?
  2. Dekel S, Weissman SL. 1978. Joint changes after overuse and peak overloading of rabbit knees in vivo.
  3. Asplund CA, Brown DL. 2005. The running shoe prescription: fit for performance.
  4. Robbins S, Waked E. 1997(b). Balance and vertical impact in sports: Role of shoe sole materials
  5. http://www.chrismcdougall.com/born-to-run/
  6. Cook SD, et. al. 1985. Shock absorption characteristics of running shoes.
  7. Walter SD, et al. 1989. The Ontario Cohort Study of Running-Related Injuries
  8. Saragiotto BT, et al. 2014. What are the Main Risk Factors for Running-Related Injuries?
  9. Wen DY. 2007. Risk factors for overuse injuries in runners.
  10. Jakobsen BW, et al. 1994. Prevention of injuries in long-distance runners.


segunda-feira, 22 de junho de 2015

O exercício pode gerar um efeito de proteção ao coração?

Introdução

São inúmeras as recomendações para que as pessoas participem de programas regulares de exercícios para que a qualidade de vida seja aumentada e o risco de mortalidade seja diminuído. Uma relação inversa entre o nível de aptidão física cardiovascular e o aumento da expectativa de vida já foi demonstrada tanto para atletas profissionais [1] como para a população em geral [2].


A Organização Mundial da Saúde recentemente divulgou [3] que a doença arterial coronariana continua a ser a principal causa de morte ao redor do mundo, sendo responsável por cerca 7,5 milhões de morte o que representa 12,8% das mortes no mundo. A principal patologia associada com doença arterial coronariana é a lesão gerada pela perfusão sanguínea após um evento isquêmico (interrupção do suprimento de sangue para um determinado tecido corporal), chamada de lesão por reperfusão isquêmica (IR). Os danos gerados as células de um tecido que passou por um período de isquemia vão depender do tempo em que o fluxo de sangue foi interrompido e muitas das lesões ocorrem no momento em que o fluxo de sangue é restabelecido [4].

Retirado da referência 14

As informações atuais indicam que a forma mais eficaz de alcançarmos efeitos cardioprotetores com um programa de exercícios é quando estes programas combinam exercícios de resistência cardiovascular e também exercícios resistidos para o desenvolvimento de força muscular [5]. O treinamento da aptidão cardiovascular pode envolver treinamentos contínuos como intervalados.

O que seria essa “cardioproteção”?

Em teoria, a “cardioproteção” induzida pelo exercício pode ser conseguida através qualquer adaptação fisiológica que atenue um ou mais dos eventos prejudiciais que ocorrem no coração durante o episódio de IR. Por exemplo, através de modificações nas artérias coronárias (vasos sanguíneos que suprem o coração) que levem ao aumento da circulação colateral e/ou alterações intrínsecas fibras musculares do coração que assim resistiriam às lesões celulares que ocorrem durante um evento de IR [5].

Quais os detalhes importantes de um programa de exercícios para que um efeito “cardioprotetor” seja gerado?

Intensidade (Nível de Esforço)

Os estudos realizados em animais demonstraram que tanto intensidades de 50% da capacidade aeróbica máxima (VO2max) como também intensidades de 70% do VO2max podem gerar alterações benéficas [6]. 

Forma de Treinamento Cardiorrespiratório

O treinamento cardiorrespiratório pode ser realizado de forma contínua ou intermitente (intervalada), trabalhos com animais demonstraram que tanto sessões de contínuas de 30-90 minutos como sessões intervaladas são capazes de gerar alterações relacionadas à “cardioproteção” [7].

Importância da Regularidade

Embora a cardioproteção induzida pelo exercício possam ser alcançados rapidamente estudos com animais revelam que a cardioproteção induzida pelo exercício é perdida em um curto período de tempo (dentro de 9 a 18 dias) após a interrupção do exercício físico [8], assim como acontece com variáveis como força, capacidade funcional [9] e também composição corporal [10].

Treinamento de Força e Cardioproteção

As modalidades de exercício que levam ao aprimoramento da força e resistência muscular estão relacionadas com alterações positivas para a saúde. Entre elas podemos citar melhoras na densidade mineral óssea [11] e diminuição da gordura visceral [12]. Quando falamos da possibilidade de que o treinamento de força também gere um efeito cardioprotetor um estudo realizado com animais mostrou doze semanas de treinamento de força com aproximadamente 70% da carga máxima faz com que os danos de uma lesão IR sejam menores em ratos treinados do que em ratos sedentários [13].

Natureza Invasiva do Estudo da Cardioproteção

Quase todo conhecimento que temos sobre a cardioproteção foi obtido através do estudo com animais [6-8, 13, 14]. Isso acontece devido à característica invasiva dos trabalhos com esse objetivo, que geram a necessidade de indução de isquemia cardíaca [13], o que não seria possível com humanos devido às questões éticas envolvidas. Os estudos com animais podem ser considerados válidos, pois a estrutura do coração entre as espécies de mamíferos são bastante semelhantes [5]. Os estudos observacionais com humanos demonstram que o exercício pode gerar efeitos de proteção ao coração através de alterações celulares capazes de diminuir os danos gerados por uma lesão IR [15] semelhantes as que acontecem com animais [14].


Considerações Finais

Os profissionais da saúde envolvidos com os cuidados primários podem desempenhar um papel importante encorajando as pessoas, principalmente as com elevado risco cardiovascular, a se exercitarem de forma adequada para que as alterações relacionadas com “cardioproteção” sejam atingidas. Podemos dizer que a participação em programas de exercício regular juntamente com a redução do risco de doenças cardiovasculares é a melhor forma de diminuir a morbidade e mortalidade geradas pelas lesões IR.

Referências
  1. Sanchis-Gomar F, et. al. 2001. Increased average longevity among the "Tour de France" cyclists.
  2. Kokkinos P, et. al. 2008. Exercise capacity and mortality in black and white men.
  3. News Med Br. 2015. OMS divulga as dez principais causas de morte no mundo.
  4. Sival Jr OC, et. al. 2002. Aspectos Básicos da Lesão de Isquemia e Reperfusão e do Pré-Ccondicionamento Isquêmico.
  5. Wiggs MP, et. al. 2015. Exercise Can Protect against a Broken Heart
  6. Lennon SL, et al. 2004. Exercise and myocardial tolerance to ischaemia-reperfusion.
  7. Libonati JR, et al2005. Sprint training improves postischemic, left ventricular diastolic performance.
  8. Lennon SL, et al. 1985. Loss of exercise-induced cardioprotection after cessation of exercise.
  9. Correa CS, et . al. 2015. Effects of strength training, detraining and retraining in muscle strength, hypertrophy and functional tasks in older female adults.
  10. Hong SM, et. al. 2014. Effects of detraining on motor unit potential area, muscle function and physical performance based on CNTF gene polymorphism.
  11. Elsisi HF, et. al. 2015. Electro magnetic field versus circuit weight training on bone mineral density in elderly women.
  12. Mekary RA, et. al. 2015. Weight training, aerobic physical activities, and long-term waist circumference change in men.
  13. Soufi FG, et. al. 2011. Role of 12-week resistance training in preserving the heart against ischemia-reperfusion-induced injury.
  14. Powers SK, et al. 2014. Mechanisms of exercise-induced cardioprotection.
  15. Ignarro LJ, et al. 2007. Nutrition, physical activity, and cardiovascular disease: An update