Dormir é uma necessidade humana
desde os primórdios de nossa existência, e nem seria necessário elencarmos os
aspectos fisiológicos que tornam essa ação vital para manutenção da nossa saúde,
pois existe um consenso geral da importância do sono. No vídeo abaixo vocês
podem ouvir as experiências da jornalista Arianna Huffington, que após um
acidente descobriu a importância de dormir.
Já neste outro vídeo podemos ter
acesso a informações científicas sobre a importância do sono para o nosso
cérebro.
Existem diferentes trabalhos que investigaram
a duração e qualidade do sono em relação aos níveis de mortalidade e qualidade
de vida [1-12]. O sono também pode influenciar nossos hábitos alimentares
[13,14] levando ao aumento do peso [14], da quantidade de gordura visceral [15],
do risco doença do fígado gorduroso (Esteatose
Hepática) [16] e também elevação do risco cardiovascular devido à
diminuição do HDL-colesterol e aumento dos triglicerídeos [17]. Uma das doenças
modernas mais comuns, a Diabetes, também está associado com os nossos hábitos
de sono [18,19] devido ao aumento da resistência á insulina [20] e do risco de
síndrome metabólica [21]. Além dos pontos já citados, o sono também é capaz de
influenciar nosso desempenho em atividades esportivas [22], nosso humor [23],
nosso bem estar durante o dia [24] e até mesmo nossa saúde mental [25].
Uma das questões mais discutidas
sobre o sono é sem dúvida nenhuma a sua duração, podemos dizer que a curva de
benefícios do sono tem a forma de U [1,5,7], tanto períodos muito curtos quanto
períodos muitos longos podem ser prejudiciais [18]. Idosos que dormem menos de
6 horas e mais de 10 horas por dia têm um aumento do risco de morte que varia
entre 18% e 22% em comparação com aqueles que dormem 8 horas [9], um aumento no
risco de mortalidade de idosos com duração de sono semelhante também já foi
demonstrado na população brasileira [6]. Quando é analisada a correlação entre
o período de sono e mortalidade em pessoas com uma variação da faixa etária
mais ampla (entre 30 e 100 anos), as pessoas que dormem mais de 8 horas e menos
do que 5 horas apresentam um risco de mortalidade aumentado em 15% [11]. Um trabalho
publicado em 2003 [4] analisou a incidência de eventos cardiovasculares em 1842
homens e mulheres com mais de 50 anos residentes da Jerusalém Ocidental durante
um período de 9-11 anos. Essas pessoas tinham diferentes origens, 340 eram da
Ásia, 349 da África, 720 da Europa ou América e 433 de Israel. Durante a
duração do estudo ocorreram 403 mortes (205 de mulheres), de causas
cardiovasculares foram 170 mortes (93 de mulheres). Um período maior do que 8
horas de sono foi associado com um aumento de 17% no risco de morte por causas
cardiovasculares.
Estudos que investigaram a
associação entre a duração do sono e a qualidade de vida demonstraram que
períodos menores do que 6 horas e maiores do que 9 horas estão ligadas a menor
qualidade de vida [2,3] e também estados de humor alterado [12]. Os resultados
são semelhantes para idosos [2], para indivíduos com mais de 45 anos [3] e
também para pessoas mais jovens (18 anos) [12]. Em crianças entre 3-4 anos a
duração do sono apresenta uma associação inversa com excesso de peso [25], seja
pela influência do sono sobre os hábitos alimentares, níveis de atividade como
também sobre variáveis metabólicas.
Os estudos relatados nos
parágrafos anteriores nos fornecem evidências científicas que quando bem
interpretadas nos permitem levantar a hipótese de que períodos de sono entre
6-8 horas são os mais indicados para uma melhor qualidade de vida e também um
menor risco de mortalidade geral e por causas cardiovasculares.
Ao aplicarmos uma abordagem
evolutiva sobre o tema verificamos que os padrões de sono de sociedades
pré-industriais na Tanzânia, Namíbia e Colômbia costumam se caracterizar por iniciar
cerca 3 horas após o por do sol, tem na temperatura o maior regulador de sua
duração e possuem um período de sono diário que varia entre 5,7 e 7,1 horas [27].
Essa duração do sono é semelhante àquela descrita pelos trabalhos já citados
como estando associada a uma melhor qualidade de vida e menor mortalidade.
Em estudos onde a duração do sono
foi controlada [27, 28] os resultados demonstraram que uma diminuição de 9 para
4 horas de sono por dia durante 4 dias seguidos predispõem pessoas saudáveis de
ambos os sexos a um excesso de ingestão de alimentos, mas não gera alterações
na resistência a insulina (clique aqui
entender o que é resistência à insulina) [27]. Curtos períodos de sono elevam a
pressão arterial e a hemoglobina glicada (para saber o que hemoglobina glicada
clique aqui)
de pacientes com diabetes tipos 1 [28].
Além da duração do sono algo
muito importante é a qualidade do sono. É qualidade do sono que garante que
diferentes processos neurológicos e hormonais ocorram, como liberação de hormônio
do crescimento e controle do cortisol, e assim nosso o organismo pode crescer, se desenvolver e se recuperar dos fatores
estressantes do dia anterior. Um sono de qualidade é aquele que possibilita que
todos os estágios do sono são cumpridos, o que garante uma
série de benefícios e entre eles uma ação protetiva [29] e de desenvolvimento
cerebral [30]. A qualidade do sono também está relacionada com a incidência de
diabetes tipo 2 [31-34], maior chance de sobrevivência no tratamento de câncer
de mama [35], disfunção sexual de mulheres com fibromialgia [36], esgotamento
[37] e desempenho acadêmico [38] entre estudantes universitários.
Para que possamos entender quais
os fatores que influenciam a qualidade do sono precisamos entender como o
sono é regulado. Para explicar essa regulação usarei o modelo proposto por Alexander
Borbély em 1982 [39] que é composto
de dois processos.
O primeiro processo do modelo de
regulação de Borbérly é chamado de pressão de sono. A partir do momento que
você acorda pela manhã, a “pressão” para você cair no sono aumenta continuamente até que você dormir novamente. Durante a noite a pressão de
sono aumentada possibilita que você durma e se mantenha dormindo até a manhã
seguinte. Durante o período de sono, essa pressão vai diminuindo, após uma
noite de sono completa você inicia o dia seguinte com uma baixa pressão de
sono.
O segundo processo é chamado de vigília.
Esse mecanismo pode ser resumido como o resultado de múltiplos sistemas
cerebrais trabalhando em conjunto para produzir um sinal de alerta que aumenta
de intensidade para neutralizar crescente pressão de sono [40]. Assim, ao mesmo
tempo em que a pressão de sono aumenta durante o dia, acontece o mesmo com a
vigília, permitindo que seu estado de alerta permaneça relativamente uniforme
ao longo do dia. Este processo levanta outra questão: Se a vigília se eleva da
manhã para a noite, como você consegue ir dormir? Para chegar a essa resposta,
precisamos entender como a pressão de sono e a vigília interagem.
Ao contrário da pressão de sono,
que é determinada pelo tempo que você fica acordado, a vigília é controlada
por um ritmo de 24 horas, como uma onda senoidal que se repete continuamente
(figura abaixo). Por exemplo, suponha que você normalmente acorda às 7:00 e vai para a
cama às 23:00 sua vigília é estável e fixa para este período. Sob essas
condições, a vigília inicia às 7:00, aumenta durante o dia para neutralizar
crescente pressão de sono, atinge o seu pico às 22:00 e inicia um declínio às
23:00, indo para seu ponto mais baixo em um período de 24 horas. Às 7:00 do dia
seguinte, ela começa todo ciclo novamente.
Este ritmo se repete dia após dia,
você acorda e vai dormir sempre no mesmo horário. Este ciclo pode ser deslocado
para frente ou para trás. Imagine que seu ritmo vigília é deslocado duas horas para
frente, agora sua vigília começa às 09:00, atinge o seu pico à meia-noite,
inicia o declínio para seu nível mais baixo a 1:00 e vai aumentando
gradativamente até ás 09:00 da manhã seguinte. É importante frisar que esse ciclo
é crucial para a vigília diurna e também para a qualidade do sono.
Para definir o tempo de vigília,
seu cérebro determina o momento de acordar (aumento da intensidade da vigília) através
da medição da intensidade de luz que entra no seu olho e o momento de ir dormir
(diminuição da intensidade da vigília) pela diminuição da intensidade de luz a
qual você está exposto. Se você fica exposto a uma quantidade adequada de luz natural
durante o dia, que é muito mais intensa que a luz artificial, e após o por do sol
fica exposto a uma luminosidade bastante reduzida a pressão de sono e a vigília
permanecem sincronizadas levando a uma boa qualidade do sono.
Como atualmente estamos cada vez
mais dentro de algum ambiente, em casa ou no trabalho, acabamos recebendo uma
quantidade insuficiente de luz externa durante o dia o que prejudica a vigília
e pode levar a outros problemas. Em 2014 foi publicado um trabalho bastante
interessante [41] que teve como objetivo avaliar os efeitos da exposição ou a
falta de exposição à luz natural sobre os níveis de cortisol e melatonina, bem
como sobre variáveis psicológicas em seres humanos. Vinte mulheres foram divididas
em dois grupos de acordo com seu local de trabalho, 10 delas trabalhavam em um
ambiente "com janela" e outras 10 em um ambiente "sem
janela". Os resultados demonstraram que o grupo “sem janela” teve uma
exposição à luz menor do que o grupo “com janela” o que gerou níveis elevados
de cortisol e baixos níveis de melatonina à noite e foi relacionado com
sintomas de depressão e menor qualidade de sono. Essa informação é importante,
pois o cortisol pode ser chamado de o hormônio do estresse e quando seus níveis são mais elevados podem predispor a ondas
de calor e anormalidades no sono em mulheres de meia idade [43] e também
aumentar o risco de diabetes e alterações no metabolismo da glicose [44]. Por
sua vez a melatonina é um hormônio produzido no cérebro que nos ajuda a pegar
no sono, possui um efeito de diminuir a pressão arterial [44] e pode ser usado
no tratamento de distúrbios do sono [45].
Além de ficarmos menos pouco expostos a
luz natural durante o dia também, o que não estimula adequadamente nossa
vigília também estamos mais expostos às luzes artificiais no período quando
deveríamos estar mais expostos a “ambientes escuros”. Isso faz com sua vigília seja
deslocada para frente, ficando fora de sincronia com a pressão de sono e dessa
forma você terá um dia de sonolência, vigília insuficiente e outras alterações
cognitivas. Imagine que você quer ir dormir as 23:00, como seu ritmo de vigília
foi deslocado para frente ele é intenso no momento em que você quer ir dormir.
Isto pode causar insônia ou fazer a primeira fase do sono ser superficial. A
primeira fase do sono deve ser a mais profunda para fazer com que a pressão de
sono diminua rapidamente. Caso você não diminua adequadamente a pressão de sono
no inicio do período de sono terá que dormir mais tempo para fazer a pressão de
sono diminuir durante a noite. Mas você (como a maioria de nós) tem que acordar
em um mesmo horário todos os dias e não pode dormir mais tempo, isso fará com
no dia seguinte você tenha um “débito de sono”. Débito de sono significa levar
uma pouco de pressão de sono não “diminuída” para o dia seguinte. Isso fará com
que fique mais difícil ir para a cama à noite ou irá diminuir a qualidade do
seu sono, qualquer uma dessas alterações irá gerar um “débito de sono”. Quando
você tem um débito de sono, mesmo que o período de sono seja aumentado ele pode
não ser suficiente para diminuir efetivamente a pressão de sono, até mesmo se
você dormir 9 horas por noite.
A exposição à luz artificial durante
a noite pode parecer algo inofensivo e sem importância, mas a diminuição dessa
exposição está associada com níveis mais altos de melatonina e diminuição do
risco de câncer de mama [46], além disso, quando ficamos mais expostos a luzes
artificiais ou utilizamos algum tipo de equipamento eletrônico que emita luz
podemos gerar perturbações do sono e da vigília no dia seguinte. Chang e
colaboradores [47] estudaram os efeitos biológicos de utilizar um livro
eletrônico (LE-eBook) e da leitura de um livro impresso horas antes de deitar.
Os participantes liam em um LE-eBook levaram mais tempo para adormecer e tinha a
quantidade de sono reduzida, menor secreção de melatonina e diminuição da
vigilância na manhã seguinte do que aqueles que liam um livro impresso. Estes
resultados demonstram que a exposição aos dispositivos eletrônicos à noite altera
o ciclo de sono e vigília por diminuir a melatonina, e tem implicações
importantes sobre o sono, desempenho, saúde e segurança. Essas perturbações da
eficiência e qualidade do sono também já foram demonstradas em adolescentes [48].
As informações relatadas até aqui
demonstram que a qualidade do sono não é completamente dependente da duração do
sono, ela pode ser diminuída por um processo de vigília extremamente ativo na
primeira parte da noite, tornando muito difícil pegar no sono ou ter um sono
adequado. Por isso é importante que você tenha uma exposição á luz adequada
durante 24 horas, garantindo pelo menos 30 minutos de exposição á luz natural
durante o dia, diminuindo sua exposição às luzes artificiais após o por do sol e
dormir no escuro.
O símbolo do Yin e Yang representa
bem a íntima relação entre o dia e a noite, pois a semente de um bom dia está
em uma boa noite, enquanto a semente de uma boa noite está em bom dia.
Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com
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