terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O dia e a noite! A noite e o dia!


Dormir é uma necessidade humana desde os primórdios de nossa existência, e nem seria necessário elencarmos os aspectos fisiológicos que tornam essa ação vital para manutenção da nossa saúde, pois existe um consenso geral da importância do sono. No vídeo abaixo vocês podem ouvir as experiências da jornalista Arianna Huffington, que após um acidente descobriu a importância de dormir.

Já neste outro vídeo podemos ter acesso a informações científicas sobre a importância do sono para o nosso cérebro.



Existem diferentes trabalhos que investigaram a duração e qualidade do sono em relação aos níveis de mortalidade e qualidade de vida [1-12]. O sono também pode influenciar nossos hábitos alimentares [13,14] levando ao aumento do peso [14], da quantidade de gordura visceral [15], do risco doença do fígado gorduroso (Esteatose Hepática) [16] e também elevação do risco cardiovascular devido à diminuição do HDL-colesterol e aumento dos triglicerídeos [17]. Uma das doenças modernas mais comuns, a Diabetes, também está associado com os nossos hábitos de sono [18,19] devido ao aumento da resistência á insulina [20] e do risco de síndrome metabólica [21]. Além dos pontos já citados, o sono também é capaz de influenciar nosso desempenho em atividades esportivas [22], nosso humor [23], nosso bem estar durante o dia [24] e até mesmo nossa saúde mental [25].

Uma das questões mais discutidas sobre o sono é sem dúvida nenhuma a sua duração, podemos dizer que a curva de benefícios do sono tem a forma de U [1,5,7], tanto períodos muito curtos quanto períodos muitos longos podem ser prejudiciais [18]. Idosos que dormem menos de 6 horas e mais de 10 horas por dia têm um aumento do risco de morte que varia entre 18% e 22% em comparação com aqueles que dormem 8 horas [9], um aumento no risco de mortalidade de idosos com duração de sono semelhante também já foi demonstrado na população brasileira [6]. Quando é analisada a correlação entre o período de sono e mortalidade em pessoas com uma variação da faixa etária mais ampla (entre 30 e 100 anos), as pessoas que dormem mais de 8 horas e menos do que 5 horas apresentam um risco de mortalidade aumentado em 15% [11]. Um trabalho publicado em 2003 [4] analisou a incidência de eventos cardiovasculares em 1842 homens e mulheres com mais de 50 anos residentes da Jerusalém Ocidental durante um período de 9-11 anos. Essas pessoas tinham diferentes origens, 340 eram da Ásia, 349 da África, 720 da Europa ou América e 433 de Israel. Durante a duração do estudo ocorreram 403 mortes (205 de mulheres), de causas cardiovasculares foram 170 mortes (93 de mulheres). Um período maior do que 8 horas de sono foi associado com um aumento de 17% no risco de morte por causas cardiovasculares.

Estudos que investigaram a associação entre a duração do sono e a qualidade de vida demonstraram que períodos menores do que 6 horas e maiores do que 9 horas estão ligadas a menor qualidade de vida [2,3] e também estados de humor alterado [12]. Os resultados são semelhantes para idosos [2], para indivíduos com mais de 45 anos [3] e também para pessoas mais jovens (18 anos) [12]. Em crianças entre 3-4 anos a duração do sono apresenta uma associação inversa com excesso de peso [25], seja pela influência do sono sobre os hábitos alimentares, níveis de atividade como também sobre variáveis metabólicas.

Os estudos relatados nos parágrafos anteriores nos fornecem evidências científicas que quando bem interpretadas nos permitem levantar a hipótese de que períodos de sono entre 6-8 horas são os mais indicados para uma melhor qualidade de vida e também um menor risco de mortalidade geral e por causas cardiovasculares.

Ao aplicarmos uma abordagem evolutiva sobre o tema verificamos que os padrões de sono de sociedades pré-industriais na Tanzânia, Namíbia e Colômbia costumam se caracterizar por iniciar cerca 3 horas após o por do sol, tem na temperatura o maior regulador de sua duração e possuem um período de sono diário que varia entre 5,7 e 7,1 horas [27]. Essa duração do sono é semelhante àquela descrita pelos trabalhos já citados como estando associada a uma melhor qualidade de vida e menor mortalidade.

Em estudos onde a duração do sono foi controlada [27, 28] os resultados demonstraram que uma diminuição de 9 para 4 horas de sono por dia durante 4 dias seguidos predispõem pessoas saudáveis de ambos os sexos a um excesso de ingestão de alimentos, mas não gera alterações na resistência a insulina (clique aqui entender o que é resistência à insulina) [27]. Curtos períodos de sono elevam a pressão arterial e a hemoglobina glicada (para saber o que hemoglobina glicada clique aqui) de pacientes com diabetes tipos 1 [28].

Além da duração do sono algo muito importante é a qualidade do sono. É qualidade do sono que garante que diferentes processos neurológicos e hormonais ocorram, como liberação de hormônio do crescimento e controle do cortisol, e assim nosso o organismo pode crescer,  se desenvolver e se recuperar dos fatores estressantes do dia anterior. Um sono de qualidade é aquele que possibilita que todos os estágios do sono são cumpridos, o que garante uma série de benefícios e entre eles uma ação protetiva [29] e de desenvolvimento cerebral [30]. A qualidade do sono também está relacionada com a incidência de diabetes tipo 2 [31-34], maior chance de sobrevivência no tratamento de câncer de mama [35], disfunção sexual de mulheres com fibromialgia [36], esgotamento [37] e desempenho acadêmico [38] entre estudantes universitários.

Para que possamos entender quais os fatores que influenciam  a qualidade do sono precisamos entender como o sono é regulado. Para explicar essa regulação usarei o modelo proposto por Alexander Borbély  em 1982 [39] que é composto de dois processos.

O primeiro processo do modelo de regulação de Borbérly é chamado de pressão de sono. A partir do momento que você acorda pela manhã, a “pressão” para você cair no sono aumenta continuamente até que você dormir novamente. Durante a noite a pressão de sono aumentada possibilita que você durma e se mantenha dormindo até a manhã seguinte. Durante o período de sono, essa pressão vai diminuindo, após uma noite de sono completa você inicia o dia seguinte com uma baixa pressão de sono.

O segundo processo é chamado de vigília. Esse mecanismo pode ser resumido como o resultado de múltiplos sistemas cerebrais trabalhando em conjunto para produzir um sinal de alerta que aumenta de intensidade para neutralizar crescente pressão de sono [40]. Assim, ao mesmo tempo em que a pressão de sono aumenta durante o dia, acontece o mesmo com a vigília, permitindo que seu estado de alerta permaneça relativamente uniforme ao longo do dia. Este processo levanta outra questão: Se a vigília se eleva da manhã para a noite, como você consegue ir dormir? Para chegar a essa resposta, precisamos entender como a pressão de sono e a vigília interagem.

Ao contrário da pressão de sono, que é determinada pelo tempo que você fica acordado, a vigília é controlada por um ritmo de 24 horas, como uma onda senoidal que se repete continuamente (figura abaixo). Por exemplo, suponha que você normalmente acorda às 7:00 e vai para a cama às 23:00 sua vigília é estável e fixa para este período. Sob essas condições, a vigília inicia às 7:00, aumenta durante o dia para neutralizar crescente pressão de sono, atinge o seu pico às 22:00 e inicia um declínio às 23:00, indo para seu ponto mais baixo em um período de 24 horas. Às 7:00 do dia seguinte, ela começa todo ciclo novamente.



Este ritmo se repete dia após dia, você acorda e vai dormir sempre no mesmo horário. Este ciclo pode ser deslocado para frente ou para trás. Imagine que seu ritmo vigília é deslocado duas horas para frente, agora sua vigília começa às 09:00, atinge o seu pico à meia-noite, inicia o declínio para seu nível mais baixo a 1:00 e vai aumentando gradativamente até ás 09:00 da manhã seguinte. É importante frisar que esse ciclo é crucial para a vigília diurna e também para a qualidade do sono.

Para definir o tempo de vigília, seu cérebro determina o momento de acordar (aumento da intensidade da vigília) através da medição da intensidade de luz que entra no seu olho e o momento de ir dormir (diminuição da intensidade da vigília) pela diminuição da intensidade de luz a qual você está exposto. Se você fica exposto a uma quantidade adequada de luz natural durante o dia, que é muito mais intensa que a luz artificial, e após o por do sol fica exposto a uma luminosidade bastante reduzida a pressão de sono e a vigília permanecem sincronizadas levando a uma boa qualidade do sono.

Como atualmente estamos cada vez mais dentro de algum ambiente, em casa ou no trabalho, acabamos recebendo uma quantidade insuficiente de luz externa durante o dia o que prejudica a vigília e pode levar a outros problemas. Em 2014 foi publicado um trabalho bastante interessante [41] que teve como objetivo avaliar os efeitos da exposição ou a falta de exposição à luz natural sobre os níveis de cortisol e melatonina, bem como sobre variáveis ​​psicológicas em seres humanos. Vinte mulheres foram divididas em dois grupos de acordo com seu local de trabalho, 10 delas trabalhavam em um ambiente "com janela" e outras 10 em um ambiente "sem janela". Os resultados demonstraram que o grupo “sem janela” teve uma exposição à luz menor do que o grupo “com janela” o que gerou níveis elevados de cortisol e baixos níveis de melatonina à noite e foi relacionado com sintomas de depressão e menor qualidade de sono. Essa informação é importante, pois o cortisol pode ser chamado de o hormônio do estresse e quando seus  níveis são mais elevados podem predispor a ondas de calor e anormalidades no sono em mulheres de meia idade [43] e também aumentar o risco de diabetes e alterações no metabolismo da glicose [44]. Por sua vez a melatonina é um hormônio produzido no cérebro que nos ajuda a pegar no sono, possui um efeito de diminuir a pressão arterial [44] e pode ser usado no tratamento de distúrbios do sono [45].

Além de ficarmos menos pouco expostos a luz natural durante o dia também, o que não estimula adequadamente nossa vigília também estamos mais expostos às luzes artificiais no período quando deveríamos estar mais expostos a “ambientes escuros”. Isso faz com sua vigília seja deslocada para frente, ficando fora de sincronia com a pressão de sono e dessa forma você terá um dia de sonolência, vigília insuficiente e outras alterações cognitivas. Imagine que você quer ir dormir as 23:00, como seu ritmo de vigília foi deslocado para frente ele é intenso no momento em que você quer ir dormir. Isto pode causar insônia ou fazer a primeira fase do sono ser superficial. A primeira fase do sono deve ser a mais profunda para fazer com que a pressão de sono diminua rapidamente. Caso você não diminua adequadamente a pressão de sono no inicio do período de sono terá que dormir mais tempo para fazer a pressão de sono diminuir durante a noite. Mas você (como a maioria de nós) tem que acordar em um mesmo horário todos os dias e não pode dormir mais tempo, isso fará com no dia seguinte você tenha um “débito de sono”. Débito de sono significa levar uma pouco de pressão de sono não “diminuída” para o dia seguinte. Isso fará com que fique mais difícil ir para a cama à noite ou irá diminuir a qualidade do seu sono, qualquer uma dessas alterações irá gerar um “débito de sono”. Quando você tem um débito de sono, mesmo que o período de sono seja aumentado ele pode não ser suficiente para diminuir efetivamente a pressão de sono, até mesmo se você dormir 9 horas por noite.

A exposição à luz artificial durante a noite pode parecer algo inofensivo e sem importância, mas a diminuição dessa exposição está associada com níveis mais altos de melatonina e diminuição do risco de câncer de mama [46], além disso, quando ficamos mais expostos a luzes artificiais ou utilizamos algum tipo de equipamento eletrônico que emita luz podemos gerar perturbações do sono e da vigília no dia seguinte. Chang e colaboradores [47] estudaram os efeitos biológicos de utilizar um livro eletrônico (LE-eBook) e da leitura de um livro impresso horas antes de deitar. Os participantes liam em um LE-eBook levaram mais tempo para adormecer e tinha a quantidade de sono reduzida, menor secreção de melatonina e diminuição da vigilância na manhã seguinte do que aqueles que liam um livro impresso. Estes resultados demonstram que a exposição aos dispositivos eletrônicos à noite altera o ciclo de sono e vigília por diminuir a melatonina, e tem implicações importantes sobre o sono, desempenho, saúde e segurança. Essas perturbações da eficiência e qualidade do sono também já foram demonstradas em adolescentes [48].

As informações relatadas até aqui demonstram que a qualidade do sono não é completamente dependente da duração do sono, ela pode ser diminuída por um processo de vigília extremamente ativo na primeira parte da noite, tornando muito difícil pegar no sono ou ter um sono adequado. Por isso é importante que você tenha uma exposição á luz adequada durante 24 horas, garantindo pelo menos 30 minutos de exposição á luz natural durante o dia, diminuindo sua exposição às luzes artificiais após o por do sol e dormir no escuro.



O símbolo do Yin e Yang representa bem a íntima relação entre o dia e a noite, pois a semente de um bom dia está em uma boa noite, enquanto a semente de uma boa noite está em bom dia.

Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com

Referências

  1. Zawisza K, et al. 2015. Sleep duration and mortality among older adults in a 22-year follow-up study: an analysis of possible effect modifiers.
  2. Faubel R, et al. 2009. Sleep duration and health-related quality of life among older adults: a population-based cohort in Spain.
  3. Magee CA, et al. 2011. Relationships between self-rated health, quality of life and sleep duration in middle aged and elderly Australians.
  4. Burazeri G, et al. 2003. Over 8 hours of sleep--marker of increased mortality in Mediterranean population: follow-up population study.
  5. Cappuccio FP, et al. 2010. Sleep duration and all-cause mortality: a systematic review and meta-analysis of prospective studies.
  6. Castro-Costa E, et al. 2011. Association between sleep duration and all-cause mortality in old age: 9-year follow-up of the Bambuí Cohort Study, Brazil.
  7. Gallicchio L, Kalesan B. 2009. Sleep duration and mortality: a systematic review and meta-analysis.
  8. Patel SR, et la. 2004. A prospective study of sleep duration and mortality risk in women.
  9. Qiu L, et al. 2011. Age and gender differences in linkages of sleep with subsequent mortality and health among very old Chinese.
  10. Gale C, Martyn C. 1998. Larks and owls and health, wealth, and wisdom.
  11. Kripke DF, et al. 2002. Mortality associated with sleep duration and insomnia.
  12. Ohayon MM, et al. 2013. Excessive sleep duration and quality of life.
  13. Kant AK, Graubard BI. 2014. Association of self-reported sleep duration with eating behaviors of American adults: NHANES 2005-2010.
  14. Dashti HS, et al. 2015. Habitual sleep duration is associated with BMI and macronutrient intake and may be modified by CLOCK genetic variants.
  15. Chaput JP, et al. 2014. Change in sleep duration and visceral fat accumulation over 6 years in adults.
  16. Bernsmeier C, et al. 2015. Sleep Disruption and Daytime Sleepiness Correlating with Disease Severity and Insulin Resistance in Non-Alcoholic Fatty Liver Disease: A Comparison with Healthy Controls.
  17. Kinuhata S, et al. 2014. Sleep duration and the risk of future lipid profile abnormalities in middle-aged men: the Kansai Healthcare Study.
  18. Ohkuma T, et al. 2014. U-shaped association of sleep duration with metabolic syndrome and insulin resistance in patients with type 2.
  19. Heianza Y, et al. 2014. Role of sleep duration as a risk factor for Type 2 diabetes among adults of different ages in Japan: the Niigata Wellness Study.
  20. Kim JY, et al. 2015. A prospective study of total sleep duration and incident metabolic syndrome: the ARIRANG study.
  21. Silva MG, Paiva T. 2015. Poor precompetitive sleep habits, nutrients' deficiencies, inappropriate body composition and athletic performance in elite gymnasts.
  22. Lo JC, et al. 2015. Cognitive Performance, Sleepiness, and Mood in Partially Sleep Deprived Adolescents: The Need for Sleep Study.
  23. Wrzus C, et al. Feeling good when sleeping in? Day-to-day associations between sleep duration and affective well-being differ from youth to old age.
  24. Lee MS, et al. 2015. The association between mental health, chronic disease and sleep duration in Koreans: a cross-sectional study.
  25. Louzada ML, et al. 2012. Sleep duration and body mass index among southern Brazilian preschoolers.
  26. Yestish G, et al. 2015. Natural Sleep and Its Seasonal Variations in Three Pre-industrial Societies.
  27. St-Onge MP, et al. 2012. Short sleep duration, glucose dysregulation and hormonal regulation of appetite in men and women.
  28. Borel AL, et al. 2013. Short sleep duration measured by wrist actimetry is associated with deteriorated glycemic control in type 1 diabetes.
  29. Eugene AR, Masiak J. 2015. The Neuroprotective Aspects of Sleep.    
  30. Dumoulin Bridi MC, et al. 2015. Rapid eye movement sleep promotes cortical plasticity in the developing brain.
  31. Knutson KL, et al. 2006. Role of sleep duration and quality in th       e risk and severity of type 2 diabetes mellitus.
  32. Tsai YW, et al. 2012. Impact of subjective sleep quality on glycemic control in type 2 diabetes mellitus.
  33. Song Y, et al. 2013. Disturbed subjective sleep in Chinese females with type 2 diabetes on insulin therapy.
  34. Jin QH, et al. 2013. The relationship between sleep quality and glucose level, diabetic complications in elderly type 2 diabetes mellitus.   
  35. Phipps AI, et al. 2015. Prediagnostic Sleep Duration and Sleep Quality in Relation to Subsequent Cancer Survival.
  36. Amasyali AS, et al. 2015. Effects of low sleep quality on sexual function, in women with fibromyalgia.
  37. Shad R, et al. 2015. Burnout and Sleep Quality: A Cross-Sectional Questionnaire-Based Study of Medical and Non-Medical Students in India.
  38. Mirghani HO, et al.2015.  Good sleep quality is associated with better academic performance among Sudanese medical students.
  39. Borbély A A. 1982. A two process model of sleep regulation.
  40. Eugene AR, Masiak J. 2015. The Neuroprotective Aspects of Sleep.
  41. Harb F, et al. 2014. Lack of exposure to natural light in the workspace is associated with physiological, sleep and depressive symptoms.
  42. Reed SD, et al. 2015. Daily salivary cortisol patterns in midlife women with hot flashes.
  43. Hackett RA, et  al. 2015. Diurnal cortisol patterns, future diabetes and impaired glucose metabolism in the Whitehall II cohort study.
  44. Gubin DG, et al. 2015. Daily Melatonin Administration Attenuates Age-Dependent Disturbances of Cardiovascular Rhythms.
  45. van Wamelen DJ, et al. 2015. Therapeutic strategies for circadian rhythm and sleep disturbances in Huntington disease.
  46. Keshet-Sitton A, et al. 2015. Can Avoiding Light at Night Reduce the Risk of Breast Cancer?
  47. Chang AM, et al. 2015. Evening use of light-emitting eReaders negatively affects sleep, circadian timing, and next-morning alertness.
  48. Fobian AD, et. al. 2015. Impact of Media Use on Adolescent Sleep Efficiency.


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Exercício, Estilo de Vida, Família e Trabalho.

Exercício, Estilo de Vida, Família e Trabalho.

Posso dizer que nos últimos anos, principalmente depois do nascimento do meu primeiro filho, além de ser Professor de Educação Física sou também um fervoroso adepto de um estilo de vida “saudável”, onde pratico exercícios, procuro me alimentar bem e dou a atenção devida ao sono e ao controle de estresse. Devido a isso algumas vezes sou chamado de egoísta, pois em certas situações coloco isso como prioridade.


Para muitas pessoas colocar o exercício ou outro hábito de um determinado estilo de vida em primeiro lugar é uma ação egoísta. Mas talvez pudéssemos dizer a mesma coisa daqueles que colocam o trabalho ou outra atividade como prioridade. Porém acredito que possamos achar um ponto de equilíbrio.

Sem dúvida alguma o exercício e outros hábitos de vida são benéficos para nós no trabalho. O trabalho é uma forma de melhorar a si mesmo assim como um programa de exercícios pode aprimorar a nossa carreira profissional. Manter nosso organismo saudável através da prática de exercícios pode nos ajudar a aumentar a produtividade no trabalho, melhorar nossos relacionamentos e de forma geral melhorar nossa vida.

A prática de exercícios com objetivos estéticos pode ser gratificante no curto prazo, porém isso não irá nos transformar em melhores trabalhadores, pais ou companheiros. Dessa forma para determinar se colocar o exercício, a alimentação ou o descanso em primeiro lugar é uma ação egoísta se torna uma tarefa complexa.

Considerando os padrões culturais atuais, se alguém trabalha mais horas será aplaudido, mesmo que esteja ficando menos tempo com a família. Mas se alguém passar alguns minutos a mais por semana praticando exercícios isso não será visto com os mesmos olhos.

Como o nosso tempo em um dia ou semana é finito, alcançar o equilíbrio é difícil. Mesmo com os avanços tecnológicos, um dia continua tendo 24 horas e uma semana 7 dias. Por isso para muitas pessoas encontrar tempo para o trabalho, para a família e para o exercício ou outros hábitos saudáveis é uma tarefa árdua.

Talvez uma das soluções para isso esteja na análise da qualidade do tempo gasto com nossas atividades diárias. O simples fato de estar com nossos filhos não nos torna melhores pais, o simples fato de estarmos com nossos(as) companheiros(as) não nos torna melhores maridos ou esposas. Se vamos ser bons pais ou companheiros irá depender muito do que fazemos quando estamos com nossos familiares, ou seja, da qualidade do que fazemos nesse período.

Assim, a quantidade de tempo gasta com o exercício ou atividade física não é o ponto mais importante, a qualidade do treinamento que fazemos é o que irá determinar se alcançaremos um bom nível de aptidão física, saúde ou bem-estar. Se fizermos exercício em demasia lesões podem ocorrer, se fizermos de menos os resultados não serão alcançados. 

Mesmo que não possamos concluir se colocar o exercício em primeiro lugar é uma ação egoísta ou não o fato é que o exercício pode melhorar tanto sua vida profissional e quanto a familiar. Em 2008 pesquisadores do Reino Unido fizeram um trabalho [1] com proposta de avaliar a influência do exercício sobre o estado de humor no trabalho através de questionários. Foram escolhidas duas empresas privadas e uma pública com atividades predominantemente sedentárias, dois questionários foram fornecidos. Ao final do trabalho foram entrevistados 201 empregados (67% mulheres e idade média de 38 anos) o humor e a produtividade foram melhores nos dias em que os empregados praticavam exercícios.  Os autores concluíram que o exercício pode melhorar o humor dos trabalhadores e o desempenho nos dias em que eles se exercitam em comparação aos dias que não o fazem. Eles também mostraram que existem claras implicações não só para o bem-estar dos funcionários, mas também uma vantagem competitiva e motivacional quando o exercício faz parte da rotina.

Efeitos positivos do exercício sobre trabalhadores também estão relacionados com fatores de estresse e depressão, em 2012 as pesquisadoras Sharon Toker e Michal Biron publicaram os resultados de um estudo [2] onde mostraram que atividade física atenuada estes efeitos negativos do estresse no trabalho e também os sinais de depressão.


Muitas vezes quando conseguimos organizar nosso tempo para fazer exercício e não ser demitido do trabalho acabamos nos sentindo culpados, pois poderíamos usar esse tempo para estar com a família e os amigos. Em relação à família podemos considerar nossa saúde como um dos bens mais preciosos, dessa forma melhorar nosso condicionamento físico é sim um objetivo “nobre” e pode gerar uma influência positiva sobre a saúde de nossos familiares. Em 2014 a revista Pediatrics publicou um trabalho [3] que após avaliar o nível de atividade física de 554 crianças com 4 anos de idade concluiu existir uma correlação direta entre o nível de atividade física das mães e seus filhos. Ou seja, quanto menos ativas fisicamente eram as mães, mais provavelmente os filhos iriam ser tornar sedentários no início da vida.

A participação em programas de exercício não precisa necessariamente algo que nos exclui da convivência com nossos familiares. As famílias podem se exercitar em grupo e encontrar atividades coletivas que melhoram os relacionamentos. Mesmo que não seja possível fazer exercícios em família é importante que organizemos nossa rotina para propiciar que os outros membros da família possam ter seu tempo para o exercício. Nessa situação o marido ou a esposa podem ter períodos em que um deles fica com os filhos propiciando ao outro o tempo necessário para o exercício. É importante que tenhamos na nossa rotina o tempo para que as crianças se exercitem, onde ocorra nossa participação. Como quando os pais se organizam para levar as crianças para a natação, judô ou dança.

A alimentação e os períodos de sono também devem ser organizados de forma coletiva na família. Refeições em família tornam muito mais fácil criar nas crianças hábitos saudáveis de alimentação. De forma regular os pais devem servir de exemplo quanto ao período e horário do sono.

Enfim, atualmente é difícil manter um estilo de vida que esteja de acordo com as “expectativas” do nosso organismo e dessa forma alcançar  saúde e condicionamento físico. E sem dúvida fazer isso de forma integrada com a família é ainda mais difícil, mas devido a importância do exercício, alimentação e repouso devemos dedicar esforços nesse sentido.

Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com
contatometodoevolutivo@gmail.com

Referências
  1. Coulson JC, et al. 2008. Exercising at work and self‐reported work performance.
  2. Toker S, Biron M. 20120. Job Burnout and Depression: Unraveling Their Temporal Relationship and Considering the Role of Physical Activity.
  3. Kathryn R, et al. 2014. Activity Levels in Mothers and Their Preschool Children.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Caso você tenha tempo!!

Hoje eu gostaria de saber sua opinião! Se você tiver 15 minutos, assista o vídeo que segue e depois deixe sua opinião no espaço para comentários.




Obrigado, Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com

terça-feira, 10 de novembro de 2015

O que dieta lowcarb tem a ver com mergulho!?

Observação: Esta postagem foi escrita para ser publicada em dois blogs (Carlinhos Treinamento e ARTEC SCUBA), por isso para aqueles que costumam acompanhar somente um dos blogs alguns termos podem não ser familiares. Tentarei remediar essa questão ao máximo.

Introdução

Tenho duas profissões, professor de educação física e instrutor de mergulho, gosto e me dedico muito às duas. E recentemente fiquei muito contente ao ver mais uma ligação entre as elas. Recebi meu exemplar do segundo livro escrito por Lászlo Mocsári sobre mergulho com Rebreathers. É um excelente livro, principalmente para aqueles que gostam da parte técnica e fisiológica do mergulho.

Todos que já leram meu blog sobre treinamento sabem que uso da abordagem evolutiva para diversas questões do treinamento e condicionamento físico. Entre elas está a recomendação de uma dieta com uma ingestão reduzida em carboidratos em comparação às dietas tradicionalmente ditas como saudáveis.

No último capítulo deste livro, chamado Dietas com Restrição no Consumo de Carboidratos e Mergulho com Rebreathers, encontrei pela primeira vez uma relação entre o menor consumo de carboidratos e alterações fisiológicas no mergulho.

Antes de falar especificamente sobre esse tema será necessário fazer algumas considerações para que aqueles que não estão familiarizados com mergulho autônomo possam compreender melhor as ideias do autor.




Como são os equipamentos de respiração utilizados no mergulho?

SCUBA significa Self Container Breathing Aparratus, que é um equipamento de respiração autônomo (independente de qualquer suprimento de ar da superfície) utilizado por aquelas pessoas que desejam explorar o mundo subaquático.

Podemos dizer que existem dois tipos de equipamentos de mergulho. O equipamento de circuito aberto e o equipamento de circuito fechado. Nos dois tipos de equipamento o suprimento de ar é carregado em cilindros que normalmente são de alumínio. A diferença entre os dois é que no de circuito aberto o ar é inalado do cilindro e expirado para a água e no circuito fechado o ar é inalado do cilindro, mas não é expirado para a água. Nessa situação o ar exalado é novamente introduzido no sistema e pode ser respirado outra vez. Os equipamentos de circuito fechado são também chamados de Rebreathers.


SCUBA - Circuito aberto


SCUBA - Circuito fechado

Oxigênio e Dióxido de Carbono no Mergulho

Quando nós inspiramos temos o objetivo de fornecer ao nosso organismo oxigênio (O2) e ao expirarmos nosso objetivo é eliminar o dióxido de carbono (CO2) produzido nas nossas células. Durante o mergulho temos que fazer a mesma coisa, porém teremos algumas alterações fisiológicas geradas pela respiração dos gases sobre pressão.

Alguns mergulhadores podem ter uma maior retenção de CO2 mesmo que a quantidade inspirada seja normal. Essa retenção pode aumentar o risco dois problemas relacionados com a respiração de gases sob pressão no mergulho. A narcose e a intoxicação por oxigênio.

O que é Narcose?

De forma simples podemos dizer narcose é uma alteração do sistema nervoso central, gerada pelos gases respirados durante o mergulho e que levam a uma diminuição das funções motoras e cognitivas. Essas alterações em algumas situações podem colocar o mergulhador em risco.

O que é intoxicação por Oxigênio?

Durante o mergulho respiramos o oxigênio em pressões que superam aquela em que o oxigênio é respirado na superfície. Dependendo dos valores da pressão respirada durante o mergulho podem ocorrer alterações visuais, auditivas e até mesmo convulsões. As convulsões são muito perigosas em mergulhos, pois aumentam significativamente o risco de afogamento.

Ideias lowcarb do Lázslo

Durante determinado período o Lázslo estava utilizando uma dieta lowcarb para redução de peso e emagrecimento (estudos tem demonstrado a efetividade desta abordagem para o emagrecimento e saúde, veja aquiaquiaquiaquiaquiaquiaqui e aqui) e claro continuou mergulhando.

Durante a prática de mergulhos com rebreathers os riscos envolvidos com o CO2 podem ser considerados maiores do que nos mergulhos com equipamentos SCUBA de circuito aberto. No seu livro Lászlo lescreve sobre as alterações relacionadas à produção de CO2 e a predominância de alimentos da dieta. Quando nossa ingestão de carboidratos é alta (50-60% das calorias diárias) teremos uma maior produção de CO2  do que se a dieta tivesse uma quantidade menor deste macro nutriente. Dessa forma o autor sugere que em mergulhos com uma maior demanda física (maior distância de natação ou a presença de correntes) a possibilidade de uma produção menor de CO2 seria um benefício em potencial.

Com essa teórica redução da produção de CO2 durante o mergulho é possível inferir que exista a chance de uma diminuição dos riscos de narcose e intoxicação por oxigênio caso a dieta do mergulhador apresente uma menor ingestão carboidratos. E dessa forma ocorra um aumento geral da segurança no mergulho.

Claro que esse possíveis benefícios são no momento somente conjecturas, necessitamos que estudos sejam realizados nesse sentido para podermos chegar a informações mais precisas.

Mas a informação importante é que além de trazer benefícios para a saúde, existe uma chance de que uma dieta lowcarb possa ser também benéfica para questões diretamente ligados ao mergulho SCUBA.

Carlinhos

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Por que você deve colocar um programa de treinamento em sua vida?

Com certeza podemos ter diferentes respostas para essa pergunta. Porém considero que devemos responder essa questão através de uma abordagem evolutiva, que é o principio norteador das minhas concepções sobre condicionamento físico e saúde.


Apresento para vocês uma resposta que foi extraída de um trabalho chamado Physical Inactivity from the Viewpoint of Evolutionary Medicine e representa muito bem minhas convicções.


“Estamos diante de uma incompatibilidade dramática entre o ambiente atual e o ambiente em que o corpo humano evoluiu. Durante noventa e nove por cento da nossa história evolutiva nós fomos caçadores-coletores com um estilo de vida nômade. Nossos genes foram moldados pela seleção natural e sexual no sentido de uma adaptação ideal para estes ambientes e circunstâncias da vida, características que hoje não existem mais. Consequentemente, a vida moderna nas sociedades industrializadas promove o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, o que pode tornar a vida bastante desconfortável. A medicina evolutiva interpreta inúmeras doenças recentes como dores nas costas, alergias, problemas durante o parto, síndrome metabólica, distúrbios psicológicos, bem como doenças associadas com o envelhecimento como consequência desta diferença entre o ambiente contemporâneo e nossa herança genética. O que podemos fazer? Estamos claramente adaptados a um estilo de vida altamente ativo do ponto de vista físico. Vivendo em ambientes urbanos, a atividade física diminuiu, e não há nenhuma possibilidade de mudança. O esforço físico exigido no trabalho e nas atividades diárias diminui de forma constante. Carros, transporte público, elevadores, lojas na internet são tendências que promovem um estilo de vida sedentário. Portanto, a nossa única chance de aumentar a atividade física é a atividade desportiva/treinamento físico durante o tempo livre. Este é um padrão de atividade muito recente na história do Homo Sapiens. Nossos ancestrais não tinham nenhum desejo por atividades físicas. Se “mover” era apenas uma questão de sobrevivência. Nascemos para nos movimentarmos, para andar, correr, e agora temos que incorporar esses tipos de atividades em nosso tempo livre. Pela primeira vez em nossa evolução e história, temos que ser fisicamente ativo, não a fim de encontrar abrigo ou comida, mas para nos mantermos saudáveis. Este é um desafio completamente novo para o Homo Sapiens.”

Carlinhos

treinamentocarlinhos@gmail.com

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Organização Mundial da Saúde - Câncer e consumo de carne!

Ontem foi divulgado pela OMS, através de um comunicado para a imprensa (veja aqui) que o consumo de carne processada e carne vermelha aumentam o risco de câncer, principalmente o câncer de colorretal.


Sobre esse tema sugiro a leitura do artigo escrito pela Zoë Harcombe. Transcrevo uma das partes que achei mais importante:

"O que eu levo deste informe? Há um monte de má ciência saindo da Organização Mundial de Saúde, uma organização que deveria ser referência, mas já demonstrou nem sempre saber o que diz."

Caso você queira ler esse texto traduzido pode clicar aqui (blog Menos Rótulos).

Outro texto que deve ser lido sobre o tema Carne e Câncer é o que foi escrito pelo Dr. José Carlos Souto com o título de Carne vermelha, de novo.

Ao lerem esses textos vocês verão que as conclusões da OMS são fundamentas em estudos observacionais. Esse tipo de trabalho científico mostra uma correlação entre duas variáveis e não uma relação de causa e efeito. Para entender melhor o que é correlação sugiro a leitura da postagem do blog Medicina Baseada em Evidência chamada Consumo de Chocolate e Conquista do Prêmio Nobel e a postagem do site Dieta Low-Carb e Paleolítica chamada O que é uma referência bibliográfica aceitável - Parte 2. 

Para finalizar deixo a mensagem final da Zoë Harcombe:

"Nothing has changed from my fundamental belief that human beings should eat real food (especially grass-fed, naturally reared meat and naturally preserved meat). Avoid processed food, including meat processed by fake food companies."

"Nada mudou da minha crença fundamental de que os seres humanos devem comer comida de verdade (especialmente carne de animais criados naturalmente alimentados com pasto, e carne preservada naturalmente). Evite alimentos processados, incluindo carne processada por empresas de alimentos falsificados."

Grande abraço...Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Quanto de água é necessário a cada dia?


Essa postagem que publico hoje é a primeira que complementa um texto publicado em 29 de setembro de 2015 (Um treino de 13 km em jejum e sem água!) e em breve publicarei outra que irá tratar da hidratação durante o exercício. Nessa postagem vocês irão ler sobre as evidências científicas relacionadas com a recomendação de que devemos ingerir 2 litros de água por dia.

Em 2007 o Bristish Medical Journal publicou um artigo escrito por Rachel Vreeman e Aaron Carroll com o título de Medical Myths [1]. Nesse artigo eles falam sobre afirmações que muitas vezes são consideradas verdadeiras, mas que não possuem embasamento científico. Entre elas encontramos as afirmações de que “o cabelo e as unhas continuam a crescer após a morte” ou “comer peru faz a pessoa ficar sonolenta”. Mas um dos mitos citados que pode gerar certa controvérsia é de que “devemos tomar cerca de 2 litros de água por dia”.

O crédito dessa recomendação pode ser dado ao famoso nutricionista americano Fredrick J. Stare que faleceu em 2002. Em um livro escrito em 1974 (Nutrition for Good Health) na página 175 o autor escreve: “Quanto de água é necessário a cada dia? Geralmente isso é bem regulado por diversos mecanismos fisiológicos, mas para o adulto médio, por volta de 6 a 8 copos a cada 24 horas e parte desta pode ser na forma de café, chá, leite, refrigerantes, cerveja, etc. Também frutas e vegetais são boas fontes de água.”

Um trabalho publicado em 2002 [2] teve como objetivo encontrar a origem e verificar as evidências científicas dessa recomendação. O trabalho incluiu meios eletrônicos de pesquisa, a literatura mais antiga que não está coberta pelas bases de dados eletrônicas e também a consulta de nutricionistas especializados no campo da sede e ingestão de líquidos. O autor conclui que não foram encontrados estudos científicos que apoiem essa recomendação e as pesquisas sobre alimentação e ingestão de líquidos que envolveram adultos de ambos os sexos sugerem que essa quantidade de água não é necessária quando considerando pessoas saudáveis.

Uma conclusão como essa foi obtida por Ronni Wolfi e seus colegas em 2010 [3] quando através de uma revisão da literatura não encontraram fundamentação científica para a ingestão de água de 2 litros por dia. Estes autores também concluíram que a ingestão de uma quantidade menor do que a recomendada não trás prejuízos.

Um estudo observacional [4] que utilizou um questionário com ferramenta de avaliação para investigar a ingestão de líquidos de 3858 homens e mulheres com idade média de 49 anos mostrou que a ingestão superior a 3 litros de água por dia não está associada com a diminuição do risco de morte assim como o risco de morte não aumenta quando a ingestão é menor do que 2 litros/dia. Este trabalho também concluiu que o aumento da ingestão de líquidos de 250 ml ao dia não melhora a função renal ao longo de 10 anos. Porém outros trabalhos observacionais demonstraram existir uma correlação entre o aumento da ingestão de líquidos e a diminuição do risco de doença arterial coronariana [5] e diminuição do risco de câncer de bexiga [6].

Todos os trabalhos observacionais, como os citados no parágrafo anterior, demonstram uma correlação entre duas variáveis e não é possível afirmar que exista uma associação de causa e efeito. Por sua vez os estudos experimentais são mais indicados para avaliar a relação de causa e efeito. Em 2006 foi investigado se o aumento da ingestão diária de líquidos iria gerar algum efeito positivo ou negativo sobre homens saudáveis entre 55 e 75 anos [7]. As pessoas avaliadas foram divididas em dois grupos (uma das características de um estudo experimental), um deles foi orientado a aumentar sua ingestão diária de água em 1,5 litros e um segundo grupo manteve sua ingestão. Após 6 meses de estudo os resultados não demonstraram nenhum efeito sobre a função renal, sódio sanguíneo, pressão arterial e qualidade de vida.

As evidências demonstram que na presença de algumas doenças o aumento da ingestão de líquidos pode ser positivo. O aumento da ingestão de líquidos em conjunto com outras abordagens é capaz de reduzir o risco de ocorrência de pedras nos rins em pessoas com histórico dessa doença [8]. O aumento da ingestão de líquidos de forma isolada parece ser benéfico para indivíduos que tenham tido somente um episódio anterior de pedras nos rins, já para aqueles com um número superior a esse de crises anteriores o aumento da ingestão de líquidos somente é positivo se for feito em combinação com o uso de medicamentos específicos [9].

Considerando que a água pode representar até 70% do nosso peso corporal e todos os nossos tecidos possuem água na sua composição (a água representa 80% do peso dos nossos músculos e 75% do peso do nosso cérebro) parece lógico dizermos que precisamos de água para manutenção de nossas funções fisiológicas e para nossa saúde. Além dos benefícios relacionados com algumas doenças como problemas cardiovasculares, câncer e pedras nos rins a ingestão de água pode estar relacionada com outros possíveis efeitos benefícios, um deles é o emagrecimento. Isto pode ser explicado pelo fato de que um dos determinantes da saciedade é o volume do alimento ingerido [10] e as refeições com maior volume de água, acrescida aos alimentos (como uma sopa de arroz e frango) ou a ingerida em separado (como acompanhamento de arroz e frango), contribui para o aumento do volume do alimento ingerido [11]. A ingestão de água antes de uma refeição pode contribuir para o aumento da saciedade durante a refeição, isto foi demonstrado em 1993 [12] quando a ingestão de 2 copos de água previamente ao café da manhã aumentou a sensação de saciedade durante a refeição.

Considerando as informações dos trabalhos observacionais e experimentais aqui citados podemos concluir que a recomendação de que devemos ingerir 2 litros de água apresenta influência positiva sobre alguns aspectos específicos da saúde em situações patológicas quando combinadas com medicações. Mas de forma geral não esta ligada a mudanças efetivas na qualidade de vida e na mortalidade.

A hidratação também é considerada importante durante o exercício, principalmente nas atividades de resistência como a corrida. Nesse ponto específico podemos encontrar recomendações como (link):
Antes: 2 horas antes do treino ou da prova, beba aproximadamente 500ml.
Durante: a cada 15-20 minutos beba de 120 a 200ml.
Depois: após o treino ou prova, beba ao menos 500ml.

Considerando essa recomendação e imaginando que uma pessoa irá correr 1 hora, em um período de 3 horas (2 horas antes e mais 1 hora de treino ou prova) essa pessoa deverá ingerir pelo menos 1,5 litros de água. Considerando que ela também ingerisse os 2 litros recomendados diariamente, esta pessoa iria ingerir cerca de 3,5 litros de água.


Uma pergunta importante cabe aqui, se a ingestão de água ou líquidos for menor prejuízos podem ocorrer durante o exercício? Uma tentativa de resposta para essa pergunta será o tema de uma nova postagem que terá o título de Hidratação Durante o Exercício e logo será publicada.

Grande abraço!
Carlinhos

treinamentocarlinhos@gmail.com

Referências
  1. Vreeman RC, Carroll AE. 2007. Medical Myths.
  2. Valtin H. 2002. “Drink at least eight glasses of water a day.” Really? Is there scientific evidence for “8 × 8”?
  3. Wolfi R, et al. 2010. Nutrition and water: drinking eight glasses of water a day ensures proper skin hydration—myth or reality?
  4. Palmer SC, et al. 2013. Fluid intake and all-cause mortality, cardiovascular mortality and kidney function: a population-based longitudinal cohort study.
  5. Chan J, et al. 2002. Water, Other Fluids, and Fatal Coronary Heart Disease - The Adventist Health Study.
  6. Michaud DS. 1999. Fluid Intake and the Risk of Bladder Cancer in Men.
  7. Spigt MG, et al. 2006. The effects of 6 months of increased water intake on blood sodium, glomerular filtration rate, blood pressure, and quality of life in elderly (aged 55-75) men.
  8. Howard AF, et al. 2012. Recurrent Nephrolithiasis in Adults - Comparative Effectiveness of Preventive Medical Strategies.
  9. Fink HA, et al. 2013. Medical management to prevent recurrent nephrolithiasis in adults: a systematic review for an American College of Physicians Clinical Guideline.
  10. Rolls BJ, et al. 1998. Volume of food consumed affects satiety in men.
  11. Rolls BJ, et al. 1999. Water incorporated into a food but not served with a food decreases energy intake in lean women.
  12. Lappalainen R, et al. 1993. Drinking water with a meal: a simple method of coping with feelings of hunger, satiety and desire to eat.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O preço de um tênis garante nossa satisfação e segurança?

Olhe os dois modelos de tênis de corrida e seus preços que aparecem abaixo. E responda duas perguntas. Qual deles você compraria para iniciar um programa de treinamento de corrida? Qual dos dois modelos você acredita que iria deixa-lo(a) mais satisfeito?





Caso sua escolhe tenha sido pelo modelo mais caro leia o texto que segue e tenha uma surpresa.

Existe um site chamado Run Repeat, este site é uma plataforma onde corredores e especialistas fazem revisões sobre calçados de corrida (clique aqui para ver uma dessas revisões). Ele tem como objetivo gerar transparência no mercado fornecendo aos corredores acesso livre a suas revisões, suas listas de classificações e a suas comparações entre modelos e assim, possibilitar que a comunidade de corredores possam fazer suas escolhas. Eles dizem ser 100% independentes, não costumam recomendar nenhum modelo, marca ou loja.

Recentemente eles publicaram um trabalho (link) onde foram analisadas 134.867 revisões de tênis de corridas que representaram 391 modelos de 24 fabricantes. Nesse estudo eles relacionaram duas variáveis, o preço do tênis e a nota (ranking ou grau de satisfação) que ele recebeu em cada revisão. Essa nota vai de 0 até 100, sendo que 80 pontos ou mais representam uma boa classificação, entre 80 e 60 pontos temos um classificação regular e abaixo de 60 temos a classificação ruim. Clique aqui para ver o ranking completo dos 391 modelos.

O gráfico abaixo mostra o resultado que os autores consideram o mais importante. Ele demonstra que não existe correlação estatística entre o valor do tênis e quão bem ele é classificado. E se uma análise de regressão é feita o resultado demonstra que os tênis de menor preço são os mais bem classificados.



Os 10 modelos mais baratos tiveram uma classificação média de 86 pontos com um preço médio de US$ 61,00. Os 10 modelos mais caros deixam os corredores 8,1% menos satisfeitos com uma classificação média de 79 pontos. Como observam os próprios autores é importante considerar que quanto mais caro você paga por um produto maiores serão suas expectativas em relação a qualidade e desempenho. Portanto, poderá ficar desapontado mais facilmente. Então, se você gastar mais em um tênis de corrida, você logicamente espera estar comprando um produto melhor.



Além do valor não garantir maior satisfação com o tênis de corrida algumas informações mostram que ele também não garante menor impacto vertical durante o contato do pé com o solo e não diminui o risco de lesão. Em 1894 um estudo realizado em Berna na Suíça demonstrou que os corredores que utilizavam calçados mais caros tinham 123% mais chances de lesão. Se você quiser ler mais sobre esse tema clique aqui.

Essas informações mostram que a sua maior preocupação e seu maior investimento deve ser na técnica de corrida e em um planejamento adequado de treinamento, pois o equipamento mais importante para uma corrida é o corredor, não o tênis que usa ou a roupa que veste.

Abração...Carlinhos

treinamentocarlinhos@gmail.com