Durante uma corrida de 1600
metros um corredor completa cerca de 1600 passadas e quando o pé toca o solo
determinado grau de impacto é gerado. Este impacto pode estar associado com lesões
[1] já que quando é repetido muitas vezes pode gerar alterações fisiológicas
relacionadas com degeneração articular e osteoartrite [2].
Para evitar lesões os tênis de
corrida são projetados para reduzir as forças de impacto [1] e fazem isso
através dos diferentes sistemas de amortecimento. Os calçados com maior
capacidade de absorção de impacto são recomendados para diminuir o risco de
lesões [3]. Você pode clicar aqui e
assistir um vídeo rápido que resume as diferentes tecnologias usadas por um
famoso fabricante com esse objetivo.
Se perguntarmos para qualquer
pessoa por qual motivo devemos usar um tênis para correr, acredito que grande
maioria vai dizer que devemos usar para diminuir o impacto. Nessa linha existem
diferentes modelos com esse objetivo, entre eles temos:
Nike Air Max |
Asics Nimbus |
Mizuno Wave |
Hoka Shoes |
A ideia por trás de todas essas
tecnologias é fazer que no momento do contato do nosso pé com o solo a maior
parte do impacto seja absorvido pelo solado e dessa forma diminua o estresse
gerado sobre nossas articulações, ossos, tendões e músculos. Mas isso realmente
acontece?
Em 1997 foi realizado um trabalho
[4] muito interessante. Doze pessoas entre 24 e 38 anos e pesando entre 53 e
108 kg foram avaliadas em relação ao impacto e ao equilíbrio no momento em que
pisavam em uma plataforma de força, que é um equipamento capaz de medir o
impacto.
Plataforma de Força |
Eles pisaram em quatro diferentes
situações. Em três delas a plataforma foi coberta por um “tapete” de ethyl-vinyl acetate (EVA), material utilizado
na construção da entressola dos tênis de corrida. Foram usadas três diferentes
espessuras de EVA e as pessoas também pisaram na plataforma rígida sem nenhum
tipo de cobertura.
EVA |
Os resultados demonstraram que
quando mais macia era a superfície maior era a força de impacto vertical gerada,
ou seja, o menor impacto vertical foi gerado quando as pessoas pisavam na
plataforma rígida sem nenhum tipo de amortecimento. Segundo os autores isso
ocorre, pois quando pisamos em uma superfície rígida nosso sistema de
propriocepção gera informações sobre nossa necessidade de equilíbrio que nós
faz usar estratégias de movimento que acabam diminuindo o impacto. Já quando pisamos em uma superfície macia
essas estratégias de diminuição do impacto ficam prejudicadas. Eles também
afirmam que esses dados indicam que os calçados com solados muito macios e
espessos deveriam ser redesenhados.
As informações fornecidas pelo
trabalho citado anteriormente podem colocar em dúvida a noção de que quanto
maior a capacidade de absorção de um calçado de corrida menor serão os riscos
de lesões. Acredito que a noção de calçados esportivos de custo elevado e menor
risco de lesões tenha sofrido um duro golpe em 1984. Neste ano foi realizado um
trabalho que avaliou 5000 participantes de um prova de corrida de 16 km
realizada em Berna na Suíça [4,5]. Os autores concluíram que os corredores que
utilizavam os calçados mais caros tinham 123% mais chance de lesões do que
aqueles que utilizam calçados mais baratos.
Em 1985 foi realizado um trabalho
[6] que comparou a capacidade de absorção de impacto de diferentes calçados de
corrida. Essa variável foi medida com o calçado sem uso e após 5, 10, 15, 25,
50, 75, 100, 125, 150, 200, 250, 300 e 500 milas de corrida (1 milha é igual a
1,6 km). Os resultados demonstraram que a redução na capacidade de absorção de
impacto não estava relacionada com o valor ou modelo do calçado, ou seja, não
faz diferença quanto você gasta para comprar um tênis ou qual modelo você
escolhe uma redução de 40% na capacidade de absorção de impacto irá acontecer
após você percorrer cerca de 400 quilômetros.
Essa informação pode ser usada
para recomendar a compra de um novo tênis de corrida a cada 400 km corridos?
Pensando em vendas, sim! Outra questão pode ser levantada, o que realmente
diminui o risco de lesões em corredores?
Em 1989 em trabalho chamado The
Ontario Cohort Study of Running-Related Injuries [7] acompanhou 1860 corredores
por 12 meses e avaliou a incidência de lesões musculares. 84% tiveram pelo
menos uma lesão e 54% dessas lesões eram novas. O risco de lesões foi associado
com a quilometragem percorrida, mas não apresentou relação com a intensidade de
treinamento, tipo de terreno e outros aspectos do treinamento. A incidência de
lesões não foi diferentes entre homens e mulheres e também não foram diferentes
quando nível de experiência foi avaliado. Os corredores que tinham tido uma
lesão no ano anterior apresentavam 50% mais chances de uma nova lesão.
Uma revisão [8] avaliou 11
trabalhos que mediram os fatores associados com lesões em corredores. Nestes 11
trabalhos estavam envolvidos 4.671 participantes e o principal fator associado
com maior risco de lesões foi a existência de lesões nos 12 meses anteriores.
Outros dois importantes fatores relacionados com maior incidência foram a
quilometragem semanal e o número de sessões semanais de treinamento. A relação
com esses fatores e maior incidência de lesões já havia sido identificado por
Wen DY [9] em 2007.
Essas informações nos fazem
pensar que as lesões prévias, o volume de treinamento e o intervalo entre as
sessões devam receber mais atenção na prevenção de lesões em corredores do que
a utilização do calçados mais caros ou com maior tecnologia. O controle sobre
essas variáveis com esse objetivo se mostrou efetivo em um trabalho realizado
em 1994 [10], onde 41 corredores recreacionais de longa duração foram divididos
por sexo, idade, peso, estatura, experiência, tipo de treinamento e incidência
de lesões nos últimos 12 meses. Foram então formados dois grupos, um recebeu
orientações sobre técnicas de corrida, volume de treinamento e número de
participações me provas (grupo experimental) e outro grupo serviu de controle e
não recebeu essas informações. Mesmo que após um 1 ano de observação a diferença
total do número de lesões entre os dois grupos tenha sido de 8 lesões (29
grupos controle e 21 grupo experimental) a incidência de lesões para cada 1000
horas de corrida foi significativamente menor no grupo experimental, 30,7
versus 62,5.
Com as informações levantadas até
aqui podemos dizer que se você realmente quer correr com menor risco de lesões
deve procurar orientações de um profissional habilitado sobre quais técnicas de
corrida devem ser utilizadas, como devem ser suas sessões de treinamento, qual
deve ser o intervalo entre as sessões e principalmente tratar de forma adequada
uma lesão que você venha a ter. Se você colocar o valor isso em segundo plano e
achar que o calçado de corrida é muito importante estará cometendo um erro.
Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com
Referências:
- Spurgeon BE. 2005. Do Running Shoes Protect all Runners?
- Dekel S, Weissman SL. 1978. Joint changes after overuse and peak overloading of rabbit knees in vivo.
- Asplund CA, Brown DL. 2005. The running shoe prescription: fit for performance.
- Robbins S, Waked E. 1997(b). Balance and vertical impact in sports: Role of shoe sole materials
- http://www.chrismcdougall.com/born-to-run/
- Cook SD, et. al. 1985. Shock absorption characteristics of running shoes.
- Walter SD, et al. 1989. The Ontario Cohort Study of Running-Related Injuries
- Saragiotto BT, et al. 2014. What are the Main Risk Factors for Running-Related Injuries?
- Wen DY. 2007. Risk factors for overuse injuries in runners.
- Jakobsen BW, et al. 1994. Prevention of injuries in long-distance runners.
Perfeito! Muito bom e esclarecedor! Traduziu a ciência para a linguagem do corredor! Parabéns!
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