terça-feira, 29 de setembro de 2015

Um treino de 13 km em jejum e sem água!

Se perguntarmos para grande maioria das pessoas qual a opinião delas sobre fazer um treino de corrida de 13 km em jejum (22 horas da última refeição) e sem tomar água iremos ouvir a seguinte resposta: tu és louco! As justificativas para isso incluem que se exercitar em jejum pode levar a hipoglicemia (link), que o exercício em jejum não se aplica a todas as pessoas (link), que ingestão de água e líquidos é fundamental para a corrida (link) e que devemos ingerir cerca de 250 ml de água a cada 20 minutos de corrida (link).


Então por qual motivo resolvi fazer essa sessão de treino em jejum e sem tomar água? Resolvi fazer esse treino como uma experiência para provocar o debate sobre esses temas. E porque resolvi levantar o debate sobre esses temas? A provocação do debate se deu, pois na área da saúde muitas recomendações e intervenções não são baseadas em evidências e sim em opiniões pessoais e na crença de que tal intervenção funciona. Um exemplo disso é recomendação de que devemos comer de três em três horas, pois assim nosso metabolismo seria acelerado e o emagrecimento potencializado (link). Porém as evidências não justificam essa recomendação, você pode ler sobre isso aqui e aqui.



A realização de exercício em jejum e a hidratação durante a corrida podem ser enquadradas nessa situação também. Jejum regular pode ser relacionado com alterações positivas para saúde (veja aqui) e também é utilizado como meio de ganho da massa muscular (veja aqui). Trabalhos científicos mostram que o jejum é capaz de aumentar o gasto de gordura em repouso (veja aqui, aqui e aqui) e que também ele não esta associado com prejuízos durante a realização de exercícios (veja aqui, aqui e aqui).

As “coisas” que são ditas sobre hidratação podem não ser as “mais verdadeiras”. Sobre isso sugiro a leitura do livro Waterlogged do Dr.Tim Noakes. Esse livro fala sobre o tema hidratação na corrida e questiona as recomendações atuais tendo como tema central a defesa da qualidade biológica fundamental da auto regulação. A auto regulação é um mecanismo que nos permite sobreviver a qualquer desafio físico, não importa quão extremo ele seja. 

Porém, por várias razões cientistas, médicos, atletas e as pessoas em geral acreditam no "modelo de catástrofe”. De acordo com este modelo, o corpo não pode acomodar até mesmo pequenos aumentos na temperatura corporal durante o exercício, nem pode ajustar-se aos défices de fluido e sódio que ocorrem durante o exercício. Em vez disso, quando expostos ao exercício em condições de grande exigência, o corpo vai simplesmente continuar sem controle até que uma falha fisiológica catastrófica inevitavelmente ocorra.

Segundo Tim Noakes com base neste sistema de crenças, a comunidade medico esportiva recomenda que o défice de fluído seja evitado durante o exercício, assim como os défices de sal e glicose. Além disso, este sistema de crenças insiste que nossos controles internos são "irremediavelmente inadequados", e que somente intervindo sobre esses controles podemos evitar falha catastrófica que pode levar a queda do desempenho ou até mesmo à morte.

O autor escreve sobre como essa crença levou ao surgimento de uma indústria das bebidas esportivas e como essa indústria gerou uma mudança radical na interpretação de qual o melhor combustível para o exercício de longa duração. Dr. Tim Noakes também descreve como a mudança do hábito de “ingerir pouca água” existente durante os anos de 1970 para o hábito atual de "beber quanta água você puder" não é uma mudança de paradigma sem consequências.

Como o objetivo de fornecer dados para o debate que pretendo continuar em postagens futuras, gostaria de passar algumas informações. São elas:
  • Glicemia em jejum antes do treino foi de 87 mg/dl.
  • O ritmo do treino foi de 1 km em 5 minutos e 10 segundos.
  • A intensidade estimada deste treino foi de 80% da minha capacidade aeróbica máxima. 
  • Glicemia imediatamente após o treino foi de 103 mg/dl e 30 minutos após o final do treino foi de 101 mg/dl.
  • Não ingeri nenhum tipo de alimento durante o treino e até 30 minutos após seu término.
  • Não foi a primeira vez que fiz uma sessão de treinamento em jejum, assim como já participei de provas de corrida nesta circunstância.
  • Já fazem pelo menos 3 anos que uso estratégias alimentares que incluem uma dieta lowcarb, uso de jejum intermitente, evitar alimentos com açúcar e glúten, evitar alimentos ultraprocessados e priorizar a ingestão de alimentos in natura de origem animal.
  • Meu programa de treinamento considera a utilização de exercícios intervalados de alta intensidade e um volume de treinamento menor do que a maioria dos programas de treinamento de corrida.

Gostaria de saber a sua opinião sobre esses temas e em breve pretendo escrever novamente sobre os pontos aqui abordados.

Grande abraço...Carlinhos

treinamentocarlinhos@gmail.com

6 comentários:

  1. Muito bom, Carlinhos!
    Eu acho que 13Km em jejum é normal, como treino, sem abusar da intensidade.

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    1. Adolfo! Para aqueles que usam a abordagem evolutiva fundamentada em ciência baseada em evidência o jejum é normal. Pelo que conheço de você (virtualmente) sei que concordamos nesse ponto. Minha intenção é abrir o debate, principalmente depois de um dia em que uma estudante de nutrição (aluna de um dos locais onde trabalho) me disse que ela não podia treinar sem café da manhã e suas justificativas foram aquelas que eu e você conhecemos. Espero que na continuação desse tema consigo receber outra a "Muito bom", obrigado.

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  2. Parabéns pela atitude Carlinhos, realmente os "acgismos" ainda superam a ciência. Faz três anos que faço natação em jejum de no mínimo 10h e pratico jejum intermitente e todos acham isso um absurdo.....Grande abraço

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    1. Marcos legal saber que você gostou do texto. Vou usar sua experiência para postagens futuras. Obrigado.

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