Em uma postagem escrita em 2014 com o título Já
faz muito tempo que corremos [veja aqui]
nela escrevi sobre o crescimento da corrida desde os anos de 1970, sobre como a
corrida fez parte da vida dos nossos ancestrais, como o Homo Erectus e Homo
Habilis e obviamente também fez parte da nossa evolução como Homo
Sapiens. Escrevi também que populações atuais utilizam a corrida como
forma de caça e de deslocamento e para finalizar discuti se toda tecnologia
envolvida nos tênis de corrida atuais [tradicionais] realmente é importante
para prevenção de lesões e/ou para desempenho.
Em uma série de postagens que iniciam hoje vou apresentar
a tradução adaptada [não literal] de textos que tratam desse tema, escritos por
Jim Hixson e que podem ser encontrado no site www.naturalrunningcenter.com.
Vamos a primeira parte então.
Foi muito bom ver um aumento na oferta dos calçados
minimalista, que são leves, finos, e flexíveis, nos últimos anos. Mas agora esse
crescimento minimalista é ameaçado pelas forças do mercado. Analisei uma
pesquisa feita por Peter Larson em 2014 (Runblogger.com) sobre os 20 tênis de
corrida mais vendidos naquele ano, entre eles estavam os modelos Hoka: Clifton
e Huaka. Embora ambos tenham uma diferença na altura da sola entre os dedos e o
calcanhar (diferença chamada de drop) de 2 mm e 4 mm, respectivamente, eles possuem
uma sola grossa. Dois outros eram o Altra e o Oneand The Paradigm, que são drop
zero, mas também possuem entre solas muito espessas. Todos estes quatro modelos
poderiam ser descrito como "maximalista", uma nova categoria que foi
criada nos últimos dois anos, e que supostamente combina as características
positivas dos tênis tradicionais de corrida e dos tênis minimalistas.
O que aconteceu para que os corredores tornassem os tênis
com drop zero e entre solas grossas tão populares, e, no processo, deixassem de
lado os tênis minimalistas? Os ultra corredores se focaram nos modelos tipo
Hokas com solos espessas, sentindo que era necessário um amortecimento extra
para salvar suas pernas de lesões, então as dores e lesões antigas pareciam ter
ir embora. Há um recente artigo no New York Times, sobre esse tema com seguinte
título: Maximalismo é in, Minimalismo é out. E correr descalço é ainda mais
out.
Olhando mais atentamente para os tênis minimalistas, eles
estão longe de estarem ultrapassados. A gangorra entre os tênis minimalista e
os maximalistas provavelmente irá variar nos próximos anos e parece que com as
tendências do marketing atual essa variação irá favorecer os maximalistas.
Quando a maioria dos corredores tentou a utilização dos
tênis minimalistas pela primeira vez, eles estavam despreparados ou continuaram
a correr com uma técnica ruim e não puderam colher os benefícios que pensaram
ser possíveis. Alguns desses corredores acabaram se lesionando devido a uma transição
muito rápida e então voltaram para os tênis tradicionais com calcanhares
elevados ou mudaram para os tênis maximalistas, sem perceber que um tênis
maximalista não compensa a técnica ruim. É claro que aqueles que fizeram a
transição bem sucedida para os tênis minimalistas estão bastante felizes e
continuarão a ser fieis, mas essa fidelidade não tem impedido muitas lojas removam
completamente os tênis minimalistas de seus estoques. Curiosamente, as vendas
on-line dos tênis minimalistas continuam fortes e isso ocorre porque os
corredores ainda estão interessados no conceito, mas também porque as lojas de calçados diminuíram a
disponibilidades desses calçados.
Na última década, o movimento minimalista prosperau,
atingiu um patamar e iniciau um declínio. Embora tenha começado como uma
revolta contra as “determinações” das grandes empresas de calçados de corrida [Adidas,
ASICS, Brooks, Mizuno, New Balance, Nike, e Saucony], logo parecia que iria
alterar radicalmente a indústria. Ao mesmo tempo a força do movimento "minimalista"
parecia estar crescendo tão rapidamente que não poderia ser interrompida, mas
agora aqueles que defendem o conceito minimalista estão na defensiva novamente.
A maioria dos corredores continua usando tênis de corrida tradicionais e muitas
lojas de tênis não possuem ou nem conhecem marcas alternativas [Altra, lemas,
Skora, Xero Shoes, Merrell, Newton, Topo, Vibram FiveFingers, e Vivo Barefoot].
Quando a Nike lançou o modelo Free Running em 2004
recebeu críticas, as pessoas e as organizações acharam estranho usar um tênis
que havia sido projetado para que alguém corresse "naturalmente".
Muitas lojas nunca sequer venderam o Free Running e a maioria daquelas que vendiam
não conseguiam explicar sua finalidade, talvez porque ele nunca se encaixou em
uma das categorias existentes. Apesar de alguma excitação inicial na comunidade
dos praticantes de corrida, o Free Running logo foi marginalizado e estes modelos
acabaram sendo visto por muitos como uma moda passageira. O própria Nike teve
uma reação acomodada em relação seu próprio produto, defendendo que corredores
deviam usar o modelo Free Running e os tênis tradicionais em forma de
revezamento.
Em 2009, de Chris McDougal publicou o livro Nascido
para Correr, por se tratar de uma narrativa jornalística, pesquisas
aprofundadas não foram realizadas. De repente, alguns corredores se tornaram
receptivos ao conceito de calçados de corrida com solas mais planas e finas e
começaram a questionar sua dependência dos tênis tradicionais. Inicialmente
eles eram oferecidos somente pelas empresas tradicionais, depois outros modelos
foram oferecidos por novas empresas como a Vibram FiveFingers, Vivo Barefoot e
Merrell que não estavam vinculadas ao estilo tradicional de tênis. Combinados
com o Nike Free Running estes tênis acabaram criando uma nova categoria, os
tênis minimalista. Mais tarde empresas como Lems, Altra e Skora criaram catálogos
de tênis minimalistas.
As grandes empresas não reagiram no início, escolhendo
ignorar a nova ameaça ou presunçosamente confiando em seus departamentos de
marketing e na fidelização dos clientes para evitar qualquer tipo de prejuízo.
Isto provou ser um erro grave, e em cerca de três anos os tênis minimalistas estavam
sendo utilizados por 15% de todos os corredores recreacionais, uma porcentagem
significativa das vendas totais de algumas das empresas de menor porte. Isso
fez com que as empresas tradicionais reagissem com uma campanha que foi
relativamente unificada. É claro que é comum que instituições estabelecidas,
como a indústria de calçados, protejam o seu mercado, de modo que este
contra-ataque não foi incomum e era até mesmo era esperado.
Embora em 2011 Saucony tenha reduzido a elevação dos
saltos em todos os seus modelos, deixando 8 milímetros como a drop máximo,
outras empresas mantiveram a sua linha tradicional sem alterações. Mesmo que
eles tenham utilizado novos materiais, novos desenhos e diminuído o peso dos
seus modelos principais na tentativa de criar sua própria linha de tênis
minimalistas, a maioria desses modelos não eram verdadeiramente minimalistas. O
que essas empresas fizeram foi redefinir o termo tênis minimalista, para que ele
incluísse seus modelos, e assim, fazer com os verdadeiros tênis minimalistas
parecessem uma escolha perigosa, porque eles eram muito radicais.
Um esforço para defender os modelos tradicionais e
desacreditar os modelos minimalistas, também foi empreendido através da mídia,
em jornais, revistas, rádios, televisões, internet e revistas científicas. Muitas
vezes, um representante de uma empresa de calçados participava de debates, os
modelos tradicionais foram muitas vezes defendidos por "especialistas"
bem-intencionados, mas que infelizmente pareciam não ter conhecimento sobre evolução
humana, sobre biomecânica, e, aparentemente, não tinham experiência com a treinamento
de corrida ou de outros esportes.
O argumento daqueles que defendiam os modelos tradicionais
foi que correr em superfícies duras o nosso estado natural, que era descalço
como ocorreu durante nossa evolução, era muito perigoso. Os pressupostos das
empresas de calçados e os meios de comunicação fizeram um péssimo trabalho na
tentativa de explicar e fazer as pessoas compreenderem as questões envolvidas
nessa discussão, fazendo que os tênis de corrida modernos [ou
"tradicionais"] fossem vistos com capazes de reunir as demandas de
corredores de longa distância, protegendo seus pés e articulações. Enquanto os
tênis minimalistas passaram a serem vistos como sendo "quase com correr
com os pés descalços" e, provavelmente, muito perigosos para a maioria dos
indivíduos.
Dependendo do terreno de corrida essa crítica poderia ter
tido algum mérito, mas a afirmação implícita de que o pé humano não é adequado
para a corrida descalço, porque é fraco realmente não possuía nenhum mérito.
Segundo estas empresas, a não ser que o tênis de corrida tivesse uma meia-sola
grossa com um calcanhar elevado para proteger o pé do choque do contato inicial
com o solo, um corredor era susceptível a se lesionar. Nenhumas dessas
afirmações já foram apoiadas por qualquer pesquisa científica. Na verdade dois
pontos são interessantes, primeiro não houve diminuição da incidência ou
gravidade de lesões relacionadas com a corrida nas últimas quatro décadas, no
mesmo período, mesmo que as empresas de calçados de corrida tenham feito
diversas “melhorias” em seus modelos a cada ano. Segundo, os melhores
corredores de longa distância do mundo vinham de culturas onde os sapatos não eram
frequentemente usados até que um corredor se tornasse bastante habilidoso.
Sempre as duas alternativas [minimalistas e maximalistas/tradicionalistas]
foram apresentadas pela mídia como alternativas viáveis, o ônus da prova de sua
eficácia e segurança sempre ficou do lado dos calçados minimalistas.
Infelizmente, o ponto mais enfatizado por ambos os lados foi à forma com o pé deve
tocar o solo (tipo de pisada), com os tradicionalistas apoiando a pisada com o
calcanhar, e os minimalistas apoiam a pisado com o pé médio ou porção anterior
de pé. Existem dois problemas nesse
debate.
Em primeiro lugar, os termos "pisada com calcanhar",
"pisada com pé médio" e "pisada a porção anterior do pé"
nunca foram especificamente definidos, e ambos os tipos de corredores e defensores
de cada lado possuíam diferentes imagens em suas mentes quando ouviam ou usavam
estes termos durante os debates. Quando o corredor desloca o membro inferior
para frente, ao tocar o calcanhar no solo o joelho deve estar estendido? Será
que a "pisada de médio pé" exige que toda sola do pé entre em contato
com o solo ao mesmo tempo? Na “pisada com a porção anterior do pé” os dedos
tocam o solo primeiro? Onde fica a pé na relação com o resto do corpo quando este
entra em contato com o solo? Eram dúvidas existentes.
Em segundo lugar, o objetivo principal dos tênis
minimalistas não era permitir que o pé toque o solo de determinada forma, era sim
permitir e incentivar que os corredores utilizassem a técnica correta. O termo
"corrida natural" foi muitas vezes usado como um substituto para a
expressão "técnica de corrida correta", uma vez que a maioria dos
defensores dos tênis minimalistas considerasse que "corrida natural" é
a técnica correta, mas esta relação raramente foi explicada. De fato, alguns
"minimalistas", chegaram a admitir que um corredor usando sapatos
tradicionais e usando a pisado com o calcanhar apresentariam pouca necessidade
de alterar a técnica de corrida, desde que um não se lesionasse. No entanto, a técnica
de corrida é a variável mais estreitamente relacionada com as lesões.
Outra questão que influenciou o debate foi o correr descalço.
Normalmente, esse tema não tomava mais do que alguns segundos das afirmações
dos defensores dos tênis tradicionais, muitas vezes ajudados por alguém da
mídia, para confundir o uso de tênis minimalistas com o correr descalço. Embora
existam muitas vantagens em dominar a técnica e incluir o correr descalço em
uma rotina de treinamento, era fácil atacar esta prática como sendo fora dos
limites normais e seguros de comportamento, em um esforço rápido e efetivo para
desestimular o uso de tênis minimalistas, que foram muitas vezes até mesmo
referidos como "tênis para correr descalço." Infelizmente esta
abordagem tornou-se a mais fácil, pois as lesões associadas com o uso de tênis
minimalistas e com o correr descalço começaram a serem relatadas. Raramente foram
feitas tentativas de explicar ou entender a origem dessas lesões, apesar de ter
sido óbvio para um observador com alguma compreensão da biomecânica que as
pessoas que se lesionaram, independente da atividade física, ou eram fisicamente
despreparados ou utilizavam a técnica incorreta.
A partir de 2012, o interesse em tênis minimalistas atingiu
um platô e, eventualmente, até diminuiu, embora a maioria dos corredores que
tinham feito a transição com sucesso nunca terem considerado a uso de tênis
tradicionais novamente. Para os corredores que nunca haviam tentado trocar os
tênis tradicionais, bem como aqueles que tentaram sem sucesso fazer a transição
para os tênis minimalistas, os tênis tradicionais foram capazes de manter ou
reconquistar a sua fidelidade. Outros corredores decidiram que várias das
características dos tênis minimalistas eram atraentes, mas talvez eles precisassem
de um pouco mais de amortecimento. Estes indivíduos têm utilizado, com já
mencionado, os tênis maximalistas, acreditando equivocadamente que podem
combinar as características positivas de tênis tradicionais e minimalistas.
Então, como devem aqueles que optaram pelos tênis
minimalista defenderem a sua escolha? Que lógica seria suficiente para
convencer outros corredores a questionar a sua dependência dos tênis
tradicionais? Pode o movimento minimalista ser revigorado? Ou será que é tarde
demais? Essas são importantes perguntas que serão abordadas na Parte Dois.
Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com
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