Hoje publico a segunda parte da
série de postagens que são a tradução adaptada [não literal] de textos que
tratam sobre calçados de corrida, escritos por Jim Hixson e que podem ser
encontrado no site www.naturalrunningcenter.com.
Na primeira postagem dessa série
examinamos as razões pelas quais os calçados minimalistas perderam espaço, e
por que os maximalistas passaram a ocupar uma posição importante no mercado.
Nesta segunda parte vamos olhar para o conceito de técnica de corrida correta e
sua relação com o calçado.
A maioria das respostas on-line
para a primeira parte foi positiva, embora também as críticas tenham surgido.
Pete Larson, do Runblogger, escreveu uma réplica em seu site: "Claro,
pode-se perguntar: minimalistas, maximalistas, tradicionais, quem se importa? São
apenas sapatos, e ser capaz de desfrutar da corrida é o que importa”.
Podemos levantar duas questões em
relação à afirmação do Pete: [1] os tênis de corrida não têm influência sobre a
biomecânica da corrida; e [2] se os tênis não afetam a biomecânica, a forma
como a pessoa corre não tem influência negativa ou positiva sobre como
desfrutamos da corrida.
Eu poderia dizer que os tênis de
corrida têm influência significativa sobre a forma como corremos por que a
forma como corremos esta conectada com os efeitos da corrida sobre seu corpo e
seu desempenho.
Pete passou a afirmar, “se todos
que passaram a usar tênis minimalistas tiveram uma boa experiência, a tendência
destes calçados ainda se manterá”.
Sim, atualmente ainda existe um
mercado para os tênis minimalistas, mas esse mercado parece ser on-line,
simplesmente por que muitos lojistas perderam o interesse por esse segmento, já
que apenas o consideravam uma oportunidade de marcado, ao invés de uma maneira
de melhorar a técnica de corrida. Eu acredito que Pete venda tênis minimalistas
em seu site [Runblogger] e quando leio os comentários nesse site posso perceber
que muitos leitores ainda são defensores dos tênis minimalistas.
Pete continua, “Não existem
evidências de que um tipo de calçado é melhor do que outro, e assim a melhor
abordagem está em usar aquilo que funciona para você”.
Esta simplificação não é verdade.
Você não pode correr com par de calçados que altera a posição natural de como
seu pé toca o solo, restringe seus movimentos naturais e causa atrofia da
musculatura intrínseca do pé e dizer que essas mudanças são positivas ou não
tem nenhum efeito. Muitos tênis de corrida simplesmente tratam seu pé como um
segmento e não como uma estrutura articulada que fornece informações essenciais
sobre as alterações do terreno. Suporte externo, como os calçados, sempre
alteram a biomecânica.
Os defensores dos tênis
minimalistas devem focar sua argumentação não somente na forma com pisamos no
solo e sim considerar o quadro geral, que engloba a técnica correta, pois isso
é necessário para que os três principais objetivos de uma atleta sejam
alcançados [prevenção de lesões, aumento da eficiência e do desempenho]. O tipo
de pisada é importante, mas o posicionamento correto do pé no momento do
contato inicial com o solo é frequentemente o resultado de uma boa técnica de
corrida, mais do que a causa. É claro que existem diferenças técnicas
individuais entre corredores, assim como existem diferenças individuais entre
os nadadores de estilo livre [crawl] e entre os arremessadores no basquete,
porém a biomecânica básica e a mesma em cada parte do movimento.
O argumento marcante utilizado
por aqueles que contrapõem os tênis minimalistas é que não existe uma forma
“natural” de correr, mais do que isso, cada individuo possui um estilo único
que raramente deve ser alterado. Qualquer um que contraponha essa posição
estaria sendo insensato. Tente convencer um velocista que correr tocando
primeiro o calcanhar, com flexão do tronco e fazendo rotação do tronco é tão bom
quanto correr com uma leve inclinação do corpo [não com flexão do tronco],
pisando com o meio ou ponta do pé e com o movimento correto dos braços [não do
tronco] e ele vai e olhar de forma incrédula.
Em um evento sobre corrida em
Austin no Texas em 2010, eu tive a chance de ter uma breve conserva com Chris
McDougall. Eu conversei com ele sobre o seu livro Nascido para Correr, comentei
que havia gostado muito de dois capítulos, um deles falava sobre a visão
evolucionária da corrida e ou outro sobre o desenvolvimento dos tênis
tradicionais de corrida. Ele me disse que apreciou muito escrever estes dois
capítulos, mas quase os deixou fora do livro, pois acreditava que os corredores
já possuíam aquelas informações. É claro que ele se deu conta que estava errado
e provavelmente deveria acrescentar capítulos tratando sobre a ciência da
corrida considerando a realização de mais pesquisas e sua experiência com
corrida com pés descalços.
Cada esporte possui padrões de
movimento corretos e a corrida não é uma exceção. Aqueles que duvidam e clamam
que cada individuo corre de forma única precisam explicar por que os
treinadores de diferentes esportes descrevem técnicas corretas para movimentos
complexos como no ciclismo, natação, levantamento de peso e remo.
A corrida também é controlada
pelas mesmas leis físicas que se aplicam aos outros esportes. Em uma matéria da
Revista Runner´s World de 2010, Alberto Salazar disse que: -“Existe uma forma
correta de correr, é como as leis da física. E se você se desviar muito dela,
como fiz durante minha carreira, vai ter prejuízos. Você pode ser eficiente com
a técnica inadequada, mas isso pode ser inadequado para o seu corpo. Isso vai
produzir tensões e desequilíbrios musculares e também problemas estruturais e
as lesões podem colocar você em um espiral descendente. Se você me mostrar
alguém que usa a técnica incorreta e vou lhe mostrar alguém que vai ter uma
série de lesões e uma carreira curta”.
Steve Magness, um dos treinadores assistentes
do Oregon Project [onde era supervisionado por Alberto Salazar] e agora
treinador chefe da equipe de cross-country da Universidade de Houston, escreveu
sobre as dificuldades que os corredores têm com o tópico técnica correta de
corrida em uma postagem chamada “Running with Proper Biomechanics”em seu blog “Running
Science”. “Corredores de longa distância e treinadores parecem odiar este tema
técnica de corrida. A maioria tem a ideia que um corredor vai naturalmente
encontrar a melhor forma de pisar e ela não deve ser alterada. Entretanto,
assim como um tiro de longa distância no basquete ou uma rebatida no beisebol,
a corrida é uma habilidade que deve ser aprendida. O problema com o ensino da
corrida é que existem muitos conceitos equivocados que estão sendo aplicados.
Isto ocorre em parte devido a complexidade do processo e também pela falta de
entendimento da biomecânica. Tenho a convicção de que essa ampla gama de formas
corretas de correr levou a uma atitude apática da maioria dos atletas e
treinadores frente às mudanças necessárias”, escreveu Magness.
Deve ser enfatizado que existem
ligeiras diferenças entre a forma que atletas de elite correm como existem
diferenças entre dois jogadores profissionais de basquete na forma como
arremessam ou na forma que dois atletas olímpicos nadam a prova dos 50 metros
livres, mas a biomecânica e a mesma.
Eu encontrei essa afirmação no
blog Tracy Steven Peal [The Educated Guide to Better Sports]: “Nós podemos
correr melhor. Mas ao invés disso nos tornamos vítimas do movimento escolhendo
copiar a forma de corrida de alguém, que por sua vez copiou de outra pessoa e
assim por diante, até que estamos correndo sem qualidade. O instinto é uma
vítima da imitação. Isso não acontece com os animais. Percy Cerruty, renomado
treinador de corrida australiano dos anos de 1950 e 1960 uma vez disse que
entre as coisas que aprendeu ao estudar os cavalos, esta que esses animais se
movimentam de forma quase idêntica. E que se aceitamos que todas os animais se
movimentam de forma semelhante, isto sugere que a evolução está realmente nas
alterações da variáveis para que encontremos a forma mais adequada para ir do
ponto A para o ponto B”.
Os melhores corredores do mundo
devem evitar lesões, treinar em alta intensidade e usar menos energia do que
seus concorrentes para que possam “sobreviver” e ter sucesso. Quando os
observamos notamos semelhanças óbvias, como:
- Contato do pé com solo utilizando porção anterior ou media do pé, estando esse muito próximo do centro de massa.
- Contato relativamente breve do pé com o solo resultando de um rápido movimento de geração de força.
- Cadência relativamente alta, variando entre 170 e 190 passos por minuto.
- Postura ereta com uma ligeira inclinação para frente gerada pelo movimento da articulação do tornozelo.
- Ligeira flexão do joelho da perna de apoio.
- Movimento relativamente amplo da articulação do quadril através a extensão e flexão adequada.
- Movimento dos braços iniciado pela articulação do ombro com o mínimo de rotação ou cruzamento da linha média corporal.
É verdade que alguns corredores
de elite violam alguns desses princípios, mas não violam todos eles,
principalmente aqueles que vêm da África ocidental que cresceram correndo de
pés descalços. Eles usam calçados minimalistas em competições, sejam elas em
terrenos planos ou não.
Qual é então o argumento básico
daqueles que usam tênis minimalistas?
Em 2014 os autores do texto do
American College of Sports Medicine intitulado “Selecting Running Shoes”, Dr.
Kevin Vincet e sua esposa Dr. Heather Vicent, foram entrevistados pelo Dr. Mark
Cucuzzella sobre suas recomendações, recomendações essas que foram muito
diferentes daquelas publicadas no documento de 2011 [“Selecting and Effectively
Using RunningnShoes”] também escrito por eles. O documento de 2011 recomendava
que a escolha dos calçado deveria ser baseada no tipo de pé/pisada e reconhecia
que “o pé toca o solo com a porção externa e que o calcanhar passa por uma
movimento de pronação”. Kevin Vincent reconheceu que ele e sua esposa foram
convencidos que este paradigma estava correto, mas após estudarem o tema eles
mudaram de opinião e suas novas recomendações foram expressas na publicação de
2013.
Dr. Kevin disse ao Dr.
Cucuzzellla: “Nós evoluímos do pensamento tradicional sobre corrida e sobre os tênis
de corrida para defender uma forma mais "natural" de correr, forma na
qual os sapatos não ditam qual técnica você deve usar e como o pé responde ao
terreno. Temos notado que quando nós filmamos os corredores usando um tênis de
sola grossa, eles dirigem o seu calcanhar ao solo para o primeiro contato, mas
se tirarmos os sapatos e os fazemos correr pela rua usando somente suas meias,
eles instintivamente adotam uma pisada com a porção medial ou anterior do pé. Então,
quando questionados por qual motivo eles usam técnicas diferentes quando correm
descalços em relação a quando correm calçados eles respondem que
instintivamente sabem o que fazer para minimizar forças quando descalços. Então
por que mudar isso por causa do sapato? A resposta é simples, porque o sapato
protege os corredores que têm escolhas deficientes em relação à técnica,
minimizando a dor do calcanhar, mas faz com que vários outros problemas de
marcha não se tornem aparentes até que ocorram as lesões”.
Correr é uma forma básica de
locomoção dos seres humanos e já fazem milhões de anos que corremos sem a
“assistência externa” e frequentemente em superfícies rígidas e ásperas. Correr
usando um tênis minimalista diminui as informações que você percebe a partir do
solo, mas também permite que você proteja os pés de objetos pontiagudos,
superfícies ásperas, e condições meteorológicas extremas. Como os calçados minimalistas
preservam a capacidade de se mover com muito pouca restrição, ao usá-los
fazemos com que seja possível corrermos com a técnica correta e a corrida com
técnica correta reduz as chances de lesões seu uso aumenta a eficiência e
melhora o desempenho.
As características do tênis
tradicionais trabalham contra esta habilidade e podem causar lesões e
disfunções no transcorrer de uma carreira de corredor. Por que alguém usaria
este tipo de calçados? Por que alguém iria querer correr coma técnica incorreta?
Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com
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