segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Exercício como Forma de Prevenção de Doença Descompressiva Durante Mergulhos com Equipamento SCUBA

Notas: 
Essa postagem ficou bastante extensa, porém acredito que para falar desse tema isso tenha sido necessário.
Peço desculpas para os leitores desse blog que não praticam mergulho SCUBA e que por ventura tenham a dificuldades para entender alguns termos ou conceitos aqui colocados. Me coloco a disposição para qualquer esclarecimento.



INTRODUÇÃO

A exploração de ambientes subaquáticos acontece desde 2500 a.C., quando mergulhadores gregos tornaram as esponjas um produto comercial (McARDLE ET AL, 2003). Hoje as pessoas se aventuram no ambiente subaquático para experimentar a sensação de “não ter peso”, encontrar seres diferentes e coloridos, para exploração arqueológica, para extração de petróleo, e também com fins científicos.

Como todo a exploração, a exploração do ambiente subaquático apresenta riscos. Dentre estes riscos temos a doença descompressiva (DD), que é o aspecto mais misterioso e mais estudado do mergulho desde o século XIX.

A DD é a manifestação de diferentes sinais e sintomas que surgem após um mergulhador realizar uma descompressão e pode levá-lo à morte. O entendimento da DD passa pela definição da palavra descompressão, que pode ser definida como o ato de diminuir a pressão. Quando uma descompressão não é realizada da forma adequada pode ocorrer a formação de bolhas nos tecidos que geram diferentes sinais e sintomas ocasionados pelo bloqueio do fluxo sangüíneo e/ou por danos gerados por efeitos mecânicos e bioquímicos (HAMILTON & THALMANN, 2002).

Essa formação de bolhas gasosas nos tecidos corporais é decorrente da absorção de nitrogênio ou de outro gás inerte pelos nossos tecidos (BUHLMANN ET AL, 1967), que ocorre durante a compressão, ou seja, com aumento da pressão gerado pelo aumento da profundidade (NAUI, 1994), e também pela liberação do mesmo gás durante uma descompressão inadequada. Podemos definir descompressão inadequada como uma diminuição da pressão em velocidades superiores a 18 metros por minuto (HAMILTON & THALMANN, 2003). Dependendo da profundidade (pressão) à qual o mergulhador fica exposto e do tempo nesta profundidade, essa velocidade de subida deve ser diminuída e paradas descompressivas a determinadas profundidades, por determinados períodos de tempo, devem ser realizadas. Esta modificação do padrão de subida é denominada de descompressão estagiada, que por vez é a aplicação de uma série de equações matemáticas que estimam a absorção de gases inertes e de como esse gás será eliminado durante a subida (PALMER, 1997), de forma a evitar a formação de bolhas nos tecidos.

Podemos afirmar que a DD é um fenômeno que apresenta um certo grau de complexidade para o entendimento de seus mecanismos e para o desenvolvimento de métodos preventivos e de tratamento. A complexidade da busca pelo entendimento da DD pode ser identificada na afirmação de que “é necessária a utilização de diferentes cenários para a explicação de cada um dos tipos de sintomas da DD” (IMBERT, 1998, p.139).

Outro aspecto do quadro de dificuldade desta busca é notado quando do ponto de vista histórico percebemos que o estudo da DD iniciou a mais de um século, em 1873 com o Dr. A.H. Smith estudando os males ocasionados nos trabalhadores da construção da ponte do Brooklyn (NY/USA), gerados pelos turnos de trabalho em caixões pressurizados, e teve seu marco de transição para o mergulho com a publicação da obra intitulada THE PREVENTION OF COMPRESSED - AIR ILLNES de J.S. Haldane, A. Boycott e G. Damant em 1908 (McARDLE ET AL, 2003). Desde então, diversos autores (BERG, 1945; BUHLMANN ET AL, 1967; SPENCER, 1976; RATTNER ET AL, 1979; WISLOFF & BRUBAKK, 20O1; HYLDEGARD, 2001; CARUTRAN ET AL, 2002) buscam dados para ampliação das ferramentas para o entendimento da DD. A partir deste período, surgiram diferentes métodos para diminuir a incidência de DD, como a teoria da dinâmica dos gases na sua fase livre (MAIKEN, 1995). Este modelo descompressivo difere dos modelos baseados no trabalho de HALDANE, que tem como fundamento principal, os gases inertes dissolvidos (HENRIQUES, 1995), por considerar que a DD também pode ser causada por bolhas gasosas que nunca estiveram dissolvidas nos tecidos. Além de métodos que alteram o modo como um mergulho é realizado, temos também os métodos que buscam modificar a maneira como nosso corpo lida com os gases inertes respirados durante o mergulho. Como exemplo temos a utilização de micróbios intestinais, capazes de metabolizar o Hidrogênio, com o objetivo de diminuir a carga de gás inerte durante mergulhos simulados com animais (FAHLMANN ET AL, 2001; KAYAR ET AL, 2001). 

No que tange ao exercício e ao treinamento físico, sua influência sobre a DD vem sendo estudada desde a década de 40 (HARRRIS ET AL,1945A; HARRIS ET AL, 1945B; WHITAKER ET AL, 1945).  Um elevado grau de condicionamento físico mostrou ser capaz de reduzir a incidência e as probabilidades de DD devido às alterações geradas na quantidade de bolhas formadas após mergulhos simulados e reais em homens e animais (RATTNER ET AL, 1979; CARTURAN ET AL, 2002). Mais recentemente, Dujic et al. (2004) analisaram a influência do exercício aeróbico realizado anteriormente ao mergulho, sobre a formação de bolhas gasosas após o mergulho em seres humanos. Cuja influência se mostrou benéfica. Os resultados e outras questões pertinentes ao trabalho de Dujic et al. (2004) serão analisadas nesta resenha crítica.

O trabalho a ser analisado foi escrito por Zijko Dujic, Darko Duplanici, Ivana Merionovic-Terzic, Darija Bakovic, Vledimir Ivancev, Zoran Valic, Davor Eterovic, Nadan M Petri, Ulrik Wisloff e Alf O Brubakk e realizado na UNIVERSITY OF SPLIT SCHOOL OF MEDICINE na cidade de SPLIT na CROÁCIA. Posteriormente foi publicado no JOURNAL OF PHYSIOLOGY - LONDON (QUALIS A Internacional: CAPES) no seu volume 555, número 3, páginas 637-642, com o título de AEROBIC EXERCISE BEFORE DIVING REDUCES VENOUS GAS BUBBLE FORMATION IN HUMANS. No ANEXO 1, temos uma cópia do artigo original em Inglês e no ANEXO 2, uma cópia da tradução do artigo original para o Português.

APRESENTAÇÃO DA OBRA

Um modelo com animais (ratos) demonstrou que uma única sessão de exercício aeróbico realizada 20 horas antes do mergulho gerava uma proteção quanto a DD grave e morte, assim como reduzia a quantidade de bolhas (WISLOFF & BRUBAKK, 2001). Desta maneira, no trabalho em questão (DUJIC ET AL, 2004) os autores decidiram investigar a hipótese, em seres humanos, de que uma única sessão de exercício aeróbico realizada 24 horas antes de um mergulho simulado poderia reduzir a formação de bolhas após o mergulho.

Para isso foi estudada uma população de 13 mergulhadores do sexo masculino com idade variando entre 22 e 38 anos e com índice massa corporal (IMC) entre 21,5 e 29 kg/cm­­². Os procedimentos experimentais foram conduzidos de acordo com a declaração de Helsinque e aprovados pelo comitê de ética da UNIVERSITY OF SPLIT SCHOOL OF MEDICINE. Além disso, cada um dos participantes forneceu um consentimento informado por escrito e assinado.

Após a determinação do consumo máximo de oxigênio (VO2máx) e da freqüência cardíaca máxima (FCmáx), através de um teste de esforço em esteira, cada um dos sujeitos realizou dois mergulhos simulados em uma câmara hiperbárica. Os mergulhos foram realizados à uma pressão de 280 kPa (28 metros), respirando ar comprimido e permanecendo nesta pressão por 80 minutos. Ao final de cada mergulho o indivíduo era descomprimido em uma velocidade de 90 kPa/min (9 m/min) até a pressão de 130 kPa (3 metros), onde permanecia por 7 minutos e depois, na mesma velocidade, era descomprimido até a pressão da superfície (100 kPa).

Os dois mergulhos eram separados por um período de 7 dias, um deles era precedido por uma sessão de exercício aeróbico em esteira. Esta sessão de exercício era composta por 3 minutos a 90% da FCmax e 2 minutos a 50% da FCmax, sendo esse conjunto de 5 minutos repetidos por 8 vezes. Este protocolo para sessão de exercício é baseado em um método de treinamento que tem a finalidade de aumentar o VO2máx de jogadores de futebol (DUJIC ET AL, 2004).

Ao final da descompressão até 100kPa o individuo era colocado em decúbito lateral esquerdo e uma investigação cardíaca era realizada utilizando-se um scanner ultra-sônico, com o objetivo de avaliar a graduação das bolhas. A monitorização das bolhas foi realizada a cada 20 minutos por um período de 80 minutos após o mergulho simulado.

Além da graduação das bolhas feita pelas imagens cardíacas, que são equivalentes a escala sonora de Spencer (SPENCER, 1976), a quantidade de bolhas por cm² também foi mensurada. As diferenças da quantidade e da graduação das bolhas entre os mergulhos e entre os grupos (mergulho c/ exercício e mergulho s/ exercício) foram avaliadas através de um teste para amostras pariadas (WILCOXON) com um limite de significância de P<0,05.

Os resultados (DUJIC ET AL, 2004) mostraram que quando uma sessão de exercício aeróbico era realizada antes do mergulho simulado, ao final deste ocorria uma redução da graduação máxima das bolhas de 3 para 1,5 (P = 0,002) e a média das bolhas por cm² era reduzida de 0,98 para 0,22 (P = 0,006). Os dados completos para cada um dos mergulhadores aparecem na TABELA 1 (ANEXO 1).

De acordo com Dujic et al (2004), foi a primeira vez que uma única sessão de exercício aeróbico, não um programa de treinamento, demonstrou ser capaz de reduzir a formação de bolhas pós-mergulho em seres humanos. A redução de bolhas ocasionada por uma única sessão de exercício havia sido demonstrada somente em animais (WISLOFF & BRUBAKK, 2001). Se considerarmos a observação de que uma graduação de bolhas de nível 3 esta relacionada com um aumento dos riscos de DD (SAWATZKY & NISHI, 2001 apud DUJIC ET AL, 2004), o exercício pode ser considerado uma medida preventiva em relação a DD.

Considerando-se que a origem das bolhas pode ser micronúcleos gasosos (BERG ET AL, 1944), que são bolhas com um diâmetro inferior a 1 mícron (HENRIQUES, 1995) e que ficam presas no endotélio vascular, podendo crescer com a redução da pressão ambiente (DUJIC ET AL, 2004). Podemos inferir que o mecanismo de proteção gerado pelo exercício aeróbico pode estar relacionado com a produção de óxido nítrico (ON) (WISLOFF ET AL, 2003). O ON pode gerar alterações na parede endotelial e reduzir o número de micronúcleos aderidos à parede dos vasos sanguíneos (WISLOFF & BRUBAKK, 2001).

Entretanto existe, a possibilidade de que o mecanismo de proteção seja multifatorial (DUJIC ET AL, 2004). Um estudo envolvendo ratos, que recebiam altas doses de ON síntase (uma droga inibidora do ON), demonstrou um aumento na formação de bolhas pós-mergulho quando a droga era administrada em comparação a um mergulho sem a administração da droga (WISLOFF ET AL, 2003). Mas, quando os ratos recebiam a droga inibidora e realizavam uma sessão de exercícios, o aumento na formação de bolhas não era constatado (WISLOFF ET AL, 2003). Colaborando com essa visão de que talvez outros mecanismos estejam envolvidos, temos o fato que quando uma droga estimulante do ON é administrada em ratos antes do mergulho, eles apresentam uma redução da quantidade de bolhas em comparação a um mergulho sem a administração prévia da droga, da mesma forma que acontece com a realização de exercício aeróbico pré-mergulho (WISLOFF ET AL, 2004).
               
Considera-se que exista uma associação entre uma maior produção de bolhas e o nível de condicionamento físico e de gordura corporal, tanto em seres humanos como em animais (CARTURAN ET AL, 2002; WISLOFF ET AL, 2003). Porém os autores do trabalho analisado (DUJIC ET AL, 2004) relataram não ter havido uma relação entre esses fatores individuais e a formação das bolhas. Eles creditaram este fato ao tamanho de amostra.  

Dujic et al (2004) concluíram que uma única sessão de exercício aeróbico pré-mergulho pode diminuir a formação de bolhas vasculares pós-mergulho em seres humanos. Sendo possível considerar o exercício como um procedimento não-farmacológico para a redução da ocorrência e do risco de DD grave. 

APRECIAÇÃO CRÍTICA

Mergulhos simulados e mergulhos reais

As respostas fisiológicas decorrentes da absorção e eliminação de gases inertes durante a compressão e descompressão em seres humanos vêm sendo estudada através de mergulhos simulados em câmaras hiperbáricas secas há bastante tempo (BUHLMANN ET AL, 1967). Este desenho experimental já foi utilizado para avaliar os efeitos da formação de bolhas sobre a mecânica pulmonar (CATRON ET AL, 1986; DUJIC ET AL, 1993), para verificar os efeitos de uma descompressão direta à superfície sobre a latência dos sintomas de DD e a formação de bolhas (ECKENNHOFF & PARKER, 1984). Porém outros pesquisadores (ECKENHOFF ET AL, 1990; CARTURAN ET AL, 2002) se preocuparam em utilizar a imersão na água para avaliar os efeitos do condicionamento físico, do nível de adiposidade (CARTURAN ET AL, 2002) e de outros fatores fisiológicos (ECKENHOFF ET AL, 1990) sobre a formação das bolhas.

Parece que devemos considerar o fato de que em situações reais, os mergulhadores ficam expostos à pelo menos uma condição distinta em relação à câmara hiperbárica seca, a imersão. E, por vezes, há algumas condições ambientais ou fisiológicas diferentes, como o frio e a diurese (CARTURAN ET AL, 2002).  Quando da imersão do corpo humano na água ocorre um aumento do volume sangüíneo central, ocasionado por um fluxo de sangue dos membros inferiores e do abdômen (JOHANSEN ET AL, 1997; WATENPAUGH ET AL, 2000). Esse tipo de redistribuição sangüínea poderia gerar um efeito similar ao do exercício durante o mergulho, de aumentar o fluxo sangüíneo na artéria pulmonar que por sua vez, pode ocorrer juntamente com um aumento no volume de bolhas pré-mergulho (FLOOK, 1997).

A literatura relacionada com as agências certificadoras de mergulhadores (LENIHAN, 1992; MOUNT, 1995; PADI, 1997; PALMER, 1997) costuma considerar a desidratação um fator contribuinte importante para a ocorrência de DD, devido à capacidade de transporte de gases inertes diminuída por causa de uma redução na quantidade de sangue (PADI, 1997). Se considerarmos que a imersão gera uma perda de líquidos devido ao aumento do fluxo urinário (WATENPAUGH ET AL, 2000; McARDLE ET AL, 2003), que é acompanhado de uma redução do volume sangüíneo e plasmático (HOPE ET AL, 2001), podemos aceitar a hipótese de que a desidratação contribui para o surgimento de sintomas relacionados com a descompressão. Desta forma, as investigações em câmaras hiperbáricas quando comparadas com investigações com mergulhos reais podem gerar respostas distintas devido às alterações relacionadas com a imersão.

Investigadores têm afirmado, que mesmo existindo diferenças significativas entre a absorção e eliminação de nitrogênio (ou outro gás inerte) em ambientes reais e câmaras hiperbáricas, a comparação dos resultados pode ser considerada válida (COPE apud KROSS & BAKER, 2001).

Considerando as informações referidas anteriormente podemos dizer que Dujic et al (2004) poderiam ter realizado um desenho experimental que pudesse controlar a variáveis: imersão e ambiente seco. Como foi feito em um estudo anterior, onde a quantidade de bolhas pós-mergulho foi avaliada em câmara hiperbárica e mergulhos reais (SPENCER, 1976).

Utilização de misturas respiratórias enriquecidas de oxigênio

Misturas respiratórias com percentuais de oxigênio superiores a 21% (conteúdo do ar ambiente) vêm sendo utilizadas no mergulho desde 1878, quando HENRY FLEUSS realizou um mergulho respirando uma mistura com cerca de 50% de oxigênio (McARDLE ET AL, 2003). A idéia por trás do aumento do conteúdo de oxigênio de uma mistura respiratória é na realidade de diminuir o conteúdo de nitrogênio e com isso gerar redução em potencial do risco de DD (JABLONSKY, 2001).

Enquanto um mergulhador permanece sob pressão, a quantidade de gás inerte dissolvida nos seus tecidos aumenta. Durante a descompressão irá ocorrer um estado de supersaturação, a pressão parcial do gás inerte se torna maior que a pressão ambiente (HAMILTON & THALMANN, 2002). Para que o gás inerte seja eliminado é necessário que um certo grau de supersaturação ocorra, porém quando o grau de supersaturação é muito alto existe risco da formação de bolhas, levando a um alto risco de DD (HENRIQUES, 1995). Assim, com a respiração de misturas com percentuais de oxigênio superiores a 21%, ocorre uma redução da tensão total de gás inerte nos tecidos e durante a subida o grau de supersaturação é reduzido (HAMILTON & THALMANN, 2002), podendo ser considerada que exista uma redução do risco de DD.

Em estudos com animais a utilização de oxigênio hiperbárico (ARIELI ET AL, 2002) ou uma elevada pressão parcial de oxigênio inspirado (REINERTSEN ET AL, 1998) gerou uma menor formação de bolhas após a descompressão.

Além da possível redução das bolhas, o oxigênio também é utilizado pelos mergulhadores como componente da mistura respiratória durante a descompressão para aumentar o gradiente de pressão entre a gás alveolar e o sangue, e desta forma acelerar a eliminação de nitrogênio e/ou hélio (CREA, 1992; GENTILE, 1998).

A confirmação de que o método de descompressão que utiliza oxigênio, em altas concentrações pode ser realmente eficiente, está na realização de duas explorações em cavernas alagadas na Flórida (USA). Uma ocorrida em 1987 (CHOWDHURY, 2001, p.112) e outra em 1998 (JABLONSKI, 1999), que realizaram mergulhos com mais de 20 horas de duração, alcançando profundidades de 90 metros e requerendo cerca de 15 horas de descompressão com misturas enriquecidas com oxigênio (JABLONSKI, 1999). Durante as duas explorações nenhum caso de DD foi relatado (CHOWDHURY, 2001, p.116).

Considerando todas as informações anteriormente citadas, seria importante que o efeito de uma sessão de exercício aeróbico sobre a formação de bolhas pós-mergulho fosse estudado em mergulhos com misturas respiratórias enriquecidas com oxigênio, já que o trabalho de Dujic et al (2004) foi realizado com os mergulhadores respirando ar comprimido (aprox. 21% oxigênio e 79% de nitrogênio).

Aclimatação ao mergulho

Quando nosso organismo é exposto a um ambiente diferente daquele que ele está acostumado, surgem algumas alterações fisiológicas. Um conjunto dessas alterações ou respostas pode ser chamado de aclimatação. O efeito da altitude sobre a fisiologia do organismo humano tem sido bastante estudado. Neste campo temos trabalhos que avaliaram as alterações na atividade simpática (MAZZEO ET AL, 1998), estudaram a utilização de ácidos graxos em repouso na altitude (ORBERTS ET AL, 1996), verificaram as alterações na FC máxima após um período de exposição à altitude (GONZALEZ ET AL, 1998), assim como também a influência do fato de morar na altitude e treinar em altitudes menores afeta o desempenho de corredores ao nível do mar (LEVINE ET AL, 1997).  No mergulho, estudos verificando as adaptações a repetidas imersões ou exposições ao ambiente hiperbárico (HANNA & HONG, 1972; HUANG ET AL, 2003; SU ET AL, 2004; MONTCALM-SMITH ET AL, 2004) também já foram realizados.

Quando um mergulhador é exposto por repetidos dias à imersão na água, pode ocorrer uma adaptação ao frio e o tempo que ele consegue ficar imerso sem tremores pode aumentar (HANNA & HONG, 1972). Assim como ocorrem adaptações térmicas, também podem ocorrer adaptações devido à formação de bolhas e/ou sintomas de DD. Um estudo demonstrou que a exposição de 30 minutos por dia a profundidades que variaram entre 12 e 21 metros, por um período de 4 dias, pode reduzir a incidência de DD em ratos de 64% para 42% (MONTCALM-SMITH ET AL, 2004). Estudos envolvendo ratos e coelhos demonstraram que a formação de bolhas esta relacionada com o aumento de uma proteína ligada ao estresse térmico, HSP70 (HUANG ET AL, 2003), nos pulmões e no coração (SU ET AL, 2004).

Mergulhos regulares por um período de 2 meses, podem levar a alterações de agentes anti-inflamatórios e pró-inflamatórios (ERSSON ET AL, 2002). A exposição a ambientes hiperbáricos, de forma rotineira, gera um aumento da IL-8 (substância ativadora dos leucócitos) e um decréscimo da SLPI (uma protease que inibe a ação dos leucócitos), demonstrando uma influência do mergulho sobre o sistema de defesa (ERSSON ET AL, 2002). Estas alterações podem levar a efeitos de proteção, que por sua vez, podem estar relacionados a uma aclimatação gerada pelo mergulho (SU ET AL, 2004).

No trabalho de Dujic et al (2004) os autores relatam que os mergulhadores participantes tinham entre 90 e 8000 horas de mergulho, o que pode ser considerada uma variação bastante grande na experiência e na freqüência de mergulhos de cada um, levando em consideração a possibilidade de uma adaptação à formação das bolhas, o que poderia reduzir o risco de DD. Talvez um controle maior sobre a freqüência com que cada sujeito mergulha e sobre as variáveis fisiológicas que controlam o estresse, como feito em outros trabalhos (ERSSON ET AL, 2002; HUANG ET AL, 2003; SU ET AL, 2004), tivessem sido importantes para controlar a variável aclimatação no estudo analisado (DUJIC ET AL, 2004) nesta resenha.

Validade do exercício como fator de Proteção para DD
               
O tema exercício e a formação de bolhas vêm sendo estudados há bastante tempo (HARRIS ET AL, 1945A; HARRIS ETAL, 1945B; WHITAKER ET AL, 1945), e parecem apresentar algumas questões interessantes. Levando em consideração essas questões discutiremos o exercício e sua influência sobre a formação de bolhas, dividindo o assunto em dois grupos: 1) durante e após a descompressão e 2) antes da descompressão, já que o momento da realização pode diferenciar os resultados (JANKOWSKI ET AL, 1997; WEBB ET AL, 2002; WISLOFF & BRUBAKK, 2001).

 Validade do exercício como fator de proteção durante e após a descompressão.
               
Um estudo envolvendo animais demonstrou que a atividade muscular intensa após a descompressão favorece a formação de bolhas (HARRIS ET AL, 1945A). Já um trabalho recente, com seres humanos, mostrou que o exercício moderado após a descompressão não induz a DD (WEBB ET AL, 2002). Além da diferença de um trabalho ter envolvido animais (ratos e coelhos) e outro envolvido seres humanos, devemos ressaltar que no trabalho de Harris et al (1945A) o exercício foi simulado através de estimulação elétrica e os animais estavam anestesiados. Enquanto que no trabalho de Webb et al (2002), foi realizado exercício dinâmico em ciclo-ergômetro com intensidade de 50% do VO2máx.

No que diz respeito à realização de exercício durante a descompressão, ele pode ocasionar uma maior formação de bolhas pós-descompressão (WHITAKER ET AL, 1945) e que isto poderia ter como responsável o Dióxido de Carbono, que devido a sua alta concentração quando dissolvido poderia ser responsável pelo crescimento inicial das bolhas, que mais tarde se expandiriam devido ao Nitrogênio. Contudo, levando em consideração dados mais atuais (JANKOWSKI ET AL, 2004) podemos dizer que o exercício moderado durante a descompressão reduz a formação de bolhas, mas não diminui a incidência de DD (JANKOWSKI ET AL, 1997).
Analisando os trabalhos que mostram que o exercício, durante ou após a descompressão, aumenta a formação de bolhas veremos que estes trabalhos envolveram ações musculares máximas (HARRIS ET AL, 1945A e 1945B; WHITAKER ET AL, 1945). Enquanto nos trabalhos, onde o exercício diminui a formação de bolhas, a atividade realizada era moderada (JANKOWSKI ET AL, 1997; WEBB ET AL, 2002). Talvez esta menor intensidade do exercício não favoreça o aumento da formação de bolhas, que pode ser ocasionada pelo crescimento inicial da bolha gerado pelo Dióxido de Carbono (HARRIS ET AL, 1945A) ou pela agitação mecânica no músculo (WHITAKER ET AL, 1945) que pode formar bolhas por cavitação (IMBERT, 1998).

Do ponto de vista prático, mesmo que o exercício durante a descompressão gere uma redução na formação de bolhas e uma conseqüente redução no risco de DD, talvez realizar atividades moderadas durante o mergulho cria-se um problema logístico por aumentar o consumo da mistura respiratória. Dessa forma, devido à limitada capacidade de armazenamento da mistura respiratória, não seja possível completar o mergulho com o nível de atividade aumentado.

Validade do exercício e do treinamento como fator de proteção antes da descompressão.

Quando falamos da influência do exercício realizado antes do mergulho e/ou da descompressão sobre a formação de bolhas, os trabalhos realizados com animais (WISLOFF & BRUBAKK, 2001; WISLOFF ET AL, 2003 e 2004) e o trabalho que esta sendo analisado (DUJIC ETAL, 2004) mostraram que pode ocorrer uma redução na formação de bolhas. Contudo, analisando uma única sessão de exercício aeróbico, esse efeito de proteção parece ser maior quando o exercício é realizado cerca 20 horas antes do mergulho (WISSLOF & BRUBAKK, 2001; WISLOFF ET AL, 2004). Vamos olhar com mais atenção os resultados destes e de outro trabalhos.

No trabalho de Wisslof & Brubakk (2001) os autores realizaram quatro diferentes protocolos. No protocolo número I (P1) foram testados 14 ratos divididos em dois grupos, um realizou um programa de treinamento por 2 semanas e outro era composto de ratos sedentários. No protocolo número II (P2) foram testados 14 ratos divididos em dois grupos, um realizou um programa de treinamento por 6 semanas e outro grupo permaneceu sedentário. No protocolo número III (P3) 12 ratos foram divididos também em dois grupos, porém neste protocolo o grupo que envolvia exercício não realizou um programa de treinamento e sim uma única sessão de 1,5 horas de exercício aeróbico e como nos outros protocolos um segundo grupo, de ratos sedentários, foi testado. Neste três primeiros grupos o treinamento ou o exercício era realizado 20 horas antes do mergulho. Já no protocolo número IV (P4), 12 ratos também foram agrupados como no P3, mas o treinamento era realizado 48 horas antes do mergulho. Como resultado deste trabalho temos que os P1, P2 e P3 mostraram uma significativa redução na formação de bolhas e no aumento do tempo de sobrevivência dos ratos (P<0,03). O P4 também apresentou uma diferença significativa (P<0,06), porém os autores consideraram que este protocolo gerou uma ação de proteção menor do que os outros.
 
Analisando os resultados do estudo de Wisloff et al (2004), onde foram realizados cinco diferentes protocolos, veremos que os dados que apresentaram diferenças estatísticas somente apareceram nos protocolos em que o exercício era realizado 20 ou 48 horas antes do mergulho. Nos grupos onde o exercício foi realizado 10 horas, 5 horas ou 30 minutos antes do mergulho tanto a graduação de bolhas quanto o tempo de sobrevivência não foram diferentes entre os ratos exercitados e os não exercitados. Dentro do protocolo que apresentou as maiores diferenças estatísticas (exercício 20 horas antes do mergulho) notamos que tanto a graduação de bolhas quanto o tempo de sobrevivência do grupo de ratos exercitados foram diferentes (P<0,001) do grupo sem exercício do mesmo protocolo e também dos grupos com e sem exercício dos demais protocolos (P<0,001). Já no protocolo onde o exercício foi realizado 48 horas antes, podemos ver que somente o tempo de sobrevivência foi estatisticamente diferente (P<0,001) quando comparado como grupo sem exercício do mesmo protocolo.   

Considerando que os resultados mostrados anteriormente (WISSLOF & BRUBAKK, 2001; WISLOFF ET AL, 2004) coincidem e a estes dados somarmos o fato de que mergulhadores com um VO2máx inferior a 40 ml/kg/min, quando comprados com mergulhadores que apresentam valores de VO2máx superiores a 40 ml/kg/min, apresentam uma graduação média de bolhas maior (CARTURAN ET AL, 2002), podemos dizer que tanto um programa de treinamento que aumente o VO2máx (WISLOFF & BRUBAKK, 2001) como a realização de sessões únicas de exercício aeróbico em períodos de 24 e 48 horas antes do mergulho (WISSLOF ET AL, 2004; DUJIC ET AL, 2004) podem trazer algum tipo de proteção contra DD.

Quanto ao exercício realizado antes do mergulho, porém em períodos menores do que 24 horas, temos que sessões únicas de exercício aeróbico realizadas 10 horas, 5 horas ou 30 minutos não geram nenhum tipo de redução na formação de bolhas (WISLOFF & BRUBAKK, 2001; WISLOFF ET AL, 2003 e 2004). Porém, um trabalho com seres humanos, em que uma sessão de exercícios (flexão do joelho, por 10 minutos, capaz de gerar um gasto calórico de 235 Kcal/hora) era realizada 3 vezes em período de 2 horas antes da descompressão do nível do mar para a altitude de 6700 metros (DERVAY ET AL, 2002), demonstrou um aumento na formação de bolhas se comparada a uma descompressão que foi precedida de 2 horas de repouso, mas nenhum caso de DD foi relatado.

Estas informações quanto ao exercício imediatamente antes do mergulho quando analisadas conjuntamente ao posicionamento de diferentes autores-mergulhadores, com inúmeros anos de prática no ensino de mergulho e exploração subaquática (LENIHAN, 1992; MOUNT, 1995; PALMER, 1997), de que o exercício e/ou o esforço físico em algum momento antes ou durante o mergulho pode ser considerado um fator contribuinte para a ocorrência de DD, nos leva a uma abordagem cautelosa de evitarmos este tipo de prática nestas circunstâncias. Pelo menos até que novos dados venham a surgir neste campo de estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados apresentados no trabalho de Dujic et al (2004) mostraram que o exercício, como método preventivo, pode apresentar um potencial para a redução do risco de DD. Esta informação poderá servir como alavanca para o desenvolvimento de uma metodologia para a prevenção de DD que envolva praticas realizadas anteriormente ao mergulho.

Contudo em uma avaliação individual dos dados de cada um dos sujeitos que participaram do trabalho de Dujic et al (2004), que aparecem na TABELA 1 (ANEXO1), notaremos que o individuo número 1 e o individuo número 12 apresentaram uma mesma graduação de bolhas (graduação 3) após o mergulho precedido de exercício e após o mergulho não precedido de exercício. Além disso, o individuo número 1 mostrou um aumento do número médio de bolhas de 0,60 cm² para 0,80 cm².

Levando em consideração que uma graduação de bolhas 3 aumenta significativamente o risco do DD (SAWATZY & NISHI, 1991 apud DIJUC ET AL, 2004) e que na investigação de Spencer (1976) todos os indivíduos que ao final dos mergulhos tinham graduação 3 ou maior de bolhas apresentaram dores e sintomas cutâneos e necessitaram de tratamento, podemos considerar a necessidade de que estudos com este desenho sejam repetidos com um número maior de indivíduos.

Além do aumento no tamanho da amostra, parece que outros pontos como a realização de mergulhos em condições reais, a avaliação dos efeitos de um maior conteúdo de oxigênio na mistura respiratória e o controle das variáveis fisiológicas relacionadas à aclimatação, também devam ser considerados para que possamos elucidar a influência do exercício pré-mergulho sobre a formação de bolhas vasculares e consequentemente sobre o risco de DD.

Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com

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