domingo, 1 de março de 2015

Os atletas estão mesmo ficando mais rápidos, mais fortes e melhores?

Escrevo esta postagem para sugerir que vocês assistam uma palestra que fala sobre as conquistas esportivas das últimas décadas, que nos levam a crer que os seres humanos se tornaram mais rápidos, mais fortes e melhores em quase os sentidos. David Epstein aponta que podemos deixar de lado nosso egocentrismo e considerar que muitos fatores estão em jogo no momento da quebre de recordes e que o desenvolvimento das nossas habilidades é apenas um deles.


David Epstein é um repórter investigativo e autor do best-seller do New York Times The Sports Gene: Inside the Science of Extraordinary Athletic Performance, publicado Pela editora Penguin, em agosto de 2013. Anteriormente, ele era escritor Sênior da Sports Illustrated . ele é especialista em questões de ciência não investigativa e jornalismo esportivo.

O vídeo pode ser assistido clicando aqui. Caso você não queira ou não possa assistir, abaixo apresento a transcrição da palestra.

Bom proveito! 
Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com

Os atletas estão mesmo ficando mais rápidos, mais fortes e melhores?
O lema Olímpico é "Citius, Altius, Fortius." Mais rápido, Mais alto, Mais forte E os atletas cumpriram este lema rapidamente. O vencedor da Maratona Olímpica de 2012 correu duas horas e oito minutos. Se ele tivesse competido contra o vencedor da Maratona Olímpica de 1904, ele teria ganho por quase uma hora e meia. Todos temos esta sensação de que nós estamos melhorando como raça humana, progredindo,mas não quer dizer que vamos evoluir em novas espécies em um século. Então o que está acontecendo? Quero observar o que está por trás desta marcha de progresso atlético.
0:50Em 1936, Jesse Owens bateu o recorde nos 100 metros. Se Jesse Owens tivesse corrido ano passado no campeonato mundial dos 100 metros, quando o velocista jamaicano Usain Bolt terminou a prova, Owens teria ainda mais de quatro metros para correr. Isso é muito na terra de um velocista. Para dar uma ideia do quanto isso significa, quero compartilhar uma demonstração concebida pelo cientista esportivo Ross Tucker. Imagine o estádio no ano passado, no campeonato mundial dos 100 metros:milhares de torcedores aguardando ansiosos para ver Usain Bolt, o homem mais rápido da história;flashes piscam enquanto os nove homens mais rápidos no mundo se curvam nos blocos de largada. E eu quero que finjam que Jesse Owens está nesta corrida. Agora fechem os olhos por um segundo e imaginem a corrida. Bang! A pistola dispara. Um velocista americano salta para a frente. Usain Bolt começa a alcançá-lo. Usain Bolt o ultrapassa, os corredores vão terminando, e há um bipe para cada um que cruza a linha de chegada. (Bipes) Este é o final da corrida. Pode abrir seus olhos agora. Aquele primeiro bipe era Usain Bolt. O último bipe era Jesse Owens. Ouça novamente. (Bipes) Quando pensamos assim, não é uma grande diferença, não é mesmo? Então, considere que Usain Bolt iniciou impulsionando-se dos blocos de largada ao longo de um tapete especialmente fabricado para permitir que se desloque tão rápido quanto humanamente possível. Jesse Owens, de outra forma, correu em cinzas, nas cinzas de madeira queimada, e aquela superfície macia roubava mais energia de suas pernas enquanto corria. Ao invés de blocos, Jesse Owens tinha uma pá de jardinagem que usava para cavar buracos nas cinzas para iniciar a corrida. Análise biomecânica da velocidade das juntas de Owens mostram que se ele tivesse corrido na mesma superfície que Bolt, ele não estaria 14 pés atrás, ele estaria com uma passada de diferença. Ao invés do último bipe, Owens teria chegado no segundo bipe.Ouçam novamente. (Bipes) Essa diferença deve-se à tecnologia de superfície de pista e isso é feito em todo o mundo da corrida.
2:56Considere um evento mais longo. Em 1954, Roger Bannister foi o primeiro homem a correr uma milha em menos de quatro minutos. Hoje em dia, estudantes de faculdade fazem isso todos os anos. Em raras ocasiões, um adolescente consegue. Desde o final do ano passado, 1.314 homens tinham corrido uma milha em menos de quatro minutos, mas como Jesse Owens, Roger Bannister também correu em cinzas macias, o que roubou mais energia de suas pernas que os pisos sintéticos de hoje em dia. Então consultei especialistas em biomecânica para descobrir a diferença de correr em cinzas e em pisos sintéticos e o consenso foi de que é 1,5% mais devagar. Então, se aplicar 1,5% de conversão a cada homem que correu suas quatro milhas numa pista sintética, é isso que ocorre. Apenas 530 restam. Se olharmos desta perspectiva, menos de 10 novos homens por [ano] se juntaram ao clube das quatro milhas desde Roger Bannister. 530 é muito mais que um, e isso é em parte porque há muito mais pessoas treinando hoje e estão treinando mais eficientemente. Mesmo universitários têm treinamento profissional, em comparação a Roger Bannister, que treinava 45 minutos por vez, enquanto matava aulas de ginecologia no curso de medicina. E aquele cara que ganhou a maratona olímpica em 1904 em três horas e meia, aquele cara bebia veneno de rato e conhaque enquanto ele fazia o percurso. Era sua ideia de droga para melhoria de performance. (Risos)
4:20Atletas têm tido mais compreensão sobre melhoria de performance com o uso de drogas e isso fez diferença em alguns esportes, mas a tecnologia tem feito diferença em todos os esportes, desde esquis mais velozes a sapatos mais leves. Vejam o recorde dos 100 metros livres de natação. O recorde está sempre tendendo a baixar, mas é pontuado por picos. Este primeiro pico, em 1956, é a introdução da virada olímpica. Em vez de parar e virar, atletas poderiam dar a cambalhota embaixo d'água e continuar nadando na direção contrária. Este segundo pico, a introdução de calhas na borda da piscina, o que permite que a água espirre para fora, em vez de se tornar turbulenta e impedir os nadadores enquanto competem. Este pico final, a introdução de roupas de corpo inteiro e de baixa fricção.
5:04Através dos esportes, a tecnologia mudou a cara da performance. Em 1972, Eddy Merckx estabeleceu o recorde da maior distância pedalada em uma hora: 49 quilômetros, 431 metros. Este recorde só melhorou à medida que as bicicletas ficaram mais aerodinâmicas ao longo dos anos, até 1996, quando foi atingida a marca de 56 quilômetros, 794 metros. mais de sete quilômetros a mais do que Eddy Merckx pedalou em 1972. Mas, em 2000, a União Internacional de Ciclismo decretou que, para bater aquele recorde, só seria aceito se fosse com o mesmo equipamento que Eddy Merckx utilizou em 1972.Onde está o recorde atual? 49 quilômetros e 700 metros, um total geral de 269 metros mais distante que Eddy Merckx pedalou mais do que quatro décadas atrás. Essencialmente esse recorde se deu devido à tecnologia.
6:02A tecnologia não é a única a impulsionar os atletas. Enquanto nós ainda não evoluímos para uma nova espécie em um século, os genes dos esportes competitivos certamente mudou. No meio do século 20,prof. de educação física e técnicos tinham a ideia de que o tipo físico médio era o melhor para todas as modalidades: estatura média, peso médio, não importava o esporte E isso se mostrou no corpo dos atletas. Em 1920, a média do salto em altura e a média da elite do arremesso de peso era do mesmo tamanho. Mas quando essa ideia se enfraqueceu, quando cientistas e técnicos se deram conta de que, em vez do tipo de corpo médio, são necessários corpos especializados que se encaixam em certos esportes, uma forma de seleção artificial se iniciou, uma auto seleção de corpos adequados a certos esportes, e os corpos dos atletas se diferenciaram uns dos outros. Hoje, em vez do mesmo tamanho médio que a elite do salto em altura, a média do arremessador de peso é 6,3 centímetros mais alto e 59 quilos mais pesado. Isso aconteceu em todos os esportes.
7:02Se você traçar no gráfico a altura versus a massa, um ponto para cada uma das duas dúzias de esportes, na primeira metade do século 20, ficará assim. Há alguma dispersão, meio que agrupados no tipo de corpo médio. E aquela ideia começa a sumir, e ao mesmo tempo, a tecnologia digital -- primeiro o rádio, depois a TV e a Internet -- deu a milhões, ou a bilhões de pessoas um ingresso para consumirem os esportes de alta performance. Incentivos financeiros, fama e glória fizeram atletas de elite dispararem,e pendeu em direção ao escalão da alta performance, acelerando a seleção artificial de corpos específicos. E se você plotar os dados para estas duas dúzias de esportes hoje, será assim. Os corpos dos atletas se tornaram muito mais diferentes uns dos outros. E porque este gráfico se parece com gráficos que mostram a expansão do universo, com galáxias voando para longe umas das outras, os cientistas que descobriram isso o chamam de "O Big Bang dos Tipos de Corpos".
7:57Em esportes em que a altura é valorizada, como o basquetebol, os atletas altos tornaram-se mais altos.Em 1983, a Associação Nacional de Basquetebol assinou um acordo inovador, fazendo dos jogadores sócios da liga, com direito a parte da receita dos ingressos e contratos de televisão. De repente, qualquer um que pudesse ser jogador da NBA queria ser e times começaram a percorrer o mundo por corpos que os ajudassem a ganhar campeonatos. Da noite para o dia, a proporção de homens na NBA com pelo menos 2,13 m de altura dobrou para 10%. Hoje, um em cada 10 homens da NBA mede pelo menos 2,13 m de altura, mas isso é raro na população em geral, tão raro que, se você conhece um homem americano entre 20 e 40 anos com pelo menos 2,13 m de altura, há 17% de chance de que ele esteja na NBA agora. (Risos) Isso mesmo, de seis homens com 2,13 m de altura, um está na NBA agora.E esta não é a única forma desses corpos serem únicos. Este é o "Homem Vitruviano" de Leonardo da Vinci, as proporções ideais, extensão do braço igual à altura. Meu braço é exatamente igual à minha altura. O de vocês muito provavelmente também. Mas não é assim na média dos jogadores da NBA A média de um jogador da NBA é pouco menos de 2 m, com braços que medem 2,13 m de comprimento.Não só os jogadores da NBA são muito altos, eles são absurdamente longos. Se Leonardo quisesse desenhar o Jogador da NBA Vitruviano, seria necessário um retângulo e uma elipse, não um círculo e um quadrado.
9:26Nos esportes onde a altura é favorecida, os atletas altos ficaram mais altos. E nos esportes onde a baixa estatura é vantagem, os atletas pequenos ficaram menores. A média da elite feminina de ginastas encolheu na média de 1,60 m para 1,45 m nos últimos 30 anos, tudo para melhorar a relação potência-peso e para girar no ar. E enquanto o maior fica maior e o menor fica menor, o esquisito ficou mais esquisito. A média de comprimento do antebraço de um jogador de polo aquático em relação ao comprimento total de seu braço ficou mais longo, tudo para arremessar mais forte. E enquanto o maior fica maior, o menor fica menor e o esquisito mais esquisito, na natação o tipo de corpo ideal é tronco longo e pernas curtas, como o longo casco de uma canoa, para correr sobre a água.
10:10E o oposto é vantagem na corrida. Você quer pernas longas e tronco curto. E isso se vê nos corpos dos atletas de hoje. Aqui você vê Michael Phelps, o maior nadador da história, ao lado de Hicham El Guerrouj, recordista mundial em milhas. São 18 centímetros de diferença de altura, mas devido aos tipos de corpos favorecidos por seus esportes, eles vestem o mesmo tamanho de calças. São 18 centímetros de diferença na altura, e eles têm o mesmo comprimento de pernas.
10:36Em alguns casos, a busca por corpos que poderiam melhorar a performance acabou introduzindo ao mundo da competição muitas pessoas que não competiam anteriormente, como os corredores de distância quenianos. Pensamos nos quenianos como grandes maratonistas. Os quenianos pensam na tribo de Kalejin como sendo grandes maratonistas. Os Kalenjin representam apenas 12% da população do Quênia, mas a grande maioria dos corredores da elite. E eles possuem, na média, uma fisiologia única: pernas muito longas e muito finas nas extremidades, isso devido à sua ancestralidade, à baixa latitude, em um clima muito quente e seco, e uma adaptação evolucionária a isso é que seus membros são muito longos e finos nas extremidades para facilitar que se refresquem. Pela mesma razão, o radiador possui longas bobinas, para aumentar a superfície comparada ao volume para que o calor saia,e porque a perna é como um pêndulo, quanto mais longa e fina for na extremidade, maior é a eficiência enérgica para dar ritmo. Para colocar o sucesso da corrida de Kalenjin em foco, considere que 17 homens americanos na história correram mais rápido que 2h e 10min na maratona. É um ritmo de 3 min e 5 s por quilômetro. 32 homens de Kalenjin fizeram o mesmo em outubro passado. (Risos) Essa é uma população do tamanho da cidade de Atlanta.
11:55Mesmo a mudança da tecnologia e a mudança de gene dos esportes não explicam todas as mudanças na performance. Os atletas têm uma mentalidade diferente agora. Já viram num filme quando alguém toma um choque elétrico e a pessoa é lançada longe na sala? Não há explosão ali. O que acontece é que o impulso elétrico faz com que todas os músculos se contraiam de uma só vez, fazendo com que a força os lance pelo quarto. Eles estão na verdade pulando. Este é o poder que está contido no corpo humano. Mas normalmente não acessamos tudo isso. Nosso cérebro age como limitador, impedindo-nos do acesso a todos os recursos físicos, porque podemos nos machucar, rompendo tendões ou ligamentos. Mas quanto mais aprendemos como estes limites funcionam, mais aprendemos como forçar a barra apenas um pouco, em alguns casos convencendo o cérebro de que o corpo não estará em risco mortal com maiores esforços. Esportes de resistência e ultra resistência servem como ótimos exemplos.Chegou a se pensar que a ultra resistência era nociva à saúde humana, mas agora nós percebemos que temos todas as características perfeitas para a ultra resistência: nenhuma pele nem glândulas de suor que nos mantêm frios enquanto corremos, cinturas estreitas e pernas longas comparadas aos nossos corpos; grandes áreas de superfície das articulações para absorção de impacto. Temos um arco em nosso pé que atua como uma mola, dedos curtos que são melhores para empurrar do que agarrar troncos das árvores, e quando corremos, podemos virar nosso tronco ou ombros, assim, enquanto mantemos as cabeças retas. Os primatas não conseguem isso. Eles têm que correr assim. E temos grandes músculos nas nádegas que nos mantém de pé enquanto corremos. Já viram o bumbum de um macaco? Eles não têm bumbum porque não correm verticalmente. e enquanto atletas perceberam que somos adequados para esportes de ultra resistência, eles realizaram feitos que seriam impensáveis antes, atletas como o piloto de resistência espanhol Kilian Jornet. Aqui está Kilian correndo até o Matterhorn. (Risos) Com um moletom amarrado à cintura. É tão íngreme que não dá para correr aqui.Está subindo com uma corda. Esta é uma subida vertical de mais de 2.400 metros, e Kílian foi para cima e para baixo em menos de três horas. Surpreendente. E talentoso que é Kílian não é uma perfeição fisiológica. Agora que ele conseguiu, outros atletas o seguirão, assim como outros atletas seguiram Roger Bannister, correndo uma milha em menos de quatro minutos.
14:15Mudança na tecnologia, mudança nos genes, e mudança de mentalidade. Inovação nos esportes, seja em superfícies de pista, ou em novas técnicas de nado, a democratização do esporte, a disseminação de novos corpos e de novas populações pelo mundo, e a imaginação no esporte, a noção do que o corpo humano é realmente capaz, têm contribuído para atletas mais fortes, mais velozes, mais ousados,e melhores do que nunca.


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