Ambiente em que Evoluímos

Para que nós possamos entender como nosso ancestral caçador coletor pode nos ajudar a determinar uma metodologia de treinamento e nutrição, precisamos conhecer como era o ambiente em que ele viveu.

Primeiro vamos lembrar que ela não tinha carro, não podia ir ao Zaffari fazer comprar, quando acordava não dava para abrir a geladeira e pegar os itens de café da manhã, não podia ir à feira, ou seja, não podia fazer um monte de coisas que são comuns hoje em dia e que acreditamos que possivelmente não viveríamos sem! Vivia em um ambiente bastante agressivo, com extremos riscos a vida, mortalidade infantil elevada e sempre na obrigação de caçar e/ou procurar sua comida.

Considerando as questões biológicas (fisiológicas e nutricionais) ele se encontrava em um ambiente bastante diferente do nosso. Minha intenção é falar sobre alguns aspectos dessas diferenças.

Um ponto importante a ser comentado é como os dados relativos ao nosso ancestral podem ser determinados. Para isso são utilizadas algumas metodologias, como estudo de comunidades que vivem ainda de forma primitiva em locais isolados que sobrevivem caçando animais selvagens, coletando plantas selvagens e utilizando recursos aquáticos e não possuem plantações ou animais domésticos com exceção de cachorros. Uma segunda metodologia é a analise de achados arqueológicos, que incluem ossos de animais consumidos, artefatos como armas e ferramentas, resquícios botânicos e pinturas em cavernas. A terceira metodologia possível é o estudo dos ossos nos nossos ancestrais, que podem revelar informações valiosas.   

Pressão Arterial

Atualmente consideramos que as pessoas com pressão arterial maior do que 140/90mmhg como hipertensas, o homem caçador coletor apresentava uma pressão arterial na casa de 110/70mmhg. A hipertensão é considera uma patologia multifatorial em que é extremamente difícil apontar uma única causa. Na grande maioria das vezes os médicos recomendam as pessoas uma dieta “saudável” (vou deixar entre aspas, pois essa expressão pode ter diferentes significados), a realização de exercícios, diminuição do peso, redução do sódio e medicações.

Em relação aos itens citados o caçador coletor apresentava características extremamente desejadas. O IMC médio foi estimado em 21,5 kg/m², a ingestão de sódio não chegava a 1g/dia (atualmente a ciência mostra que o sódio não é um fator preocupante para hipertensão), tinha uma ingestão maior de potássio, sua dieta fazia seu Ph sanguíneo ser alcalino, estes e outros fatores faziam com que a hipertensão não existisse.

Metabolismo dos Caboidratos

Como observado em grupos primitivos atuais em diferentes continentes acreditasse que o nosso ancestral caçador coletor tinha uma ingestão de carboidratos bastante reduzida quando comparada com a atual, além do fato de que os carboidratos que tem com origem os grãos integrais ou refinados e o açúcar não faziam parte da sua dieta. Essa característica nutricional provavelmente fazia com que nosso ancestral, assim como as tribos primitivas atuais, apresentasse uma maior sensibilidade a insulina o que difere bastante com o quadro de resistência a insulina apresentado por um número significativo de indivíduos em diferentes países. Essa característica metabólica, de maior sensibilidade à insulina, pode ser extremamente positiva na prevenção de uma série de patologias.

Metabolismo dos Lipídios

Podemos acreditar que nosso ancestral, como os grupos primitivos atuais, conseguia cerca de 50% das suas calorias vindas das gorduras animais. Com uma ingestão maior de gorduras polinsaturas e ácidos graxos essenciais e uma ingestão equilibrada de ácidos graxos Omega 6 e Omega 3. Estas características provavelmente faziam com que o metabolismo tivesse a gordura como fonte principal de energia corporal.

Micronutrientes

É muito provável que nosso ancestral consumisse cerca 1,5 a 2 vezes mais vitaminas, antioxidantes e minerais do que atualmente consumimos na nossa dieta. Um exemplo significante dessa diferença é a ingestão de vitamina C e a síntese de vitamina D. A ingestão estimada de vitamina C de povos primitivos é cerca de 500mg enquanto atualmente a ingestão média é de 90mg. Quando a vitamina D, atualmente as estimativas indicam que produzimos cerca 1000 IU, enquanto nosso ancestral produzia cerca 4000 IU (luz do sol).

Atividade Física

Fazer atividade física não era uma opção para nosso ancestral, era uma questão de sobrevivência, já que a busca por alimentos dependia de caçadas e longas caminhadas para coleta de frutas, vegetais e raízes que podiam variar entre 8-16 km.

A necessidade energética estimada é de cerca de 2900kcal, onde cerca de 1000kcal eram gastas com atividade física, o que supera o gasto calórico em atividades físicas atuais em pelo menos 2 vezes.

Foi estimado que eles fossem são exigidos em tarefas como escalar e carregar objetos pesados. Estes “objetos pesados” muitas vezes incluíam as presas abatidas durante as caçadas e as crianças pequenas durante as caminhadas. Já foi estimado que as mulheres necessitavam carregar suas crianças, durante as caminhadas para coleta de alimentos, até que elas atingissem cerca de 4 anos de idade. A distância estimada durante este período foi de 4800 km, ou seja, 1200 km/ano, 23 km/semana,  e aproximadamente 3 km/dia.

Características Físicas

Nosso ancestral tinha um IMC médio estimado de 21,5kg/m², que quando comparado com as médias atuais é menor. Seu percentual de gordura era menor do que 15% para os homens e menor do que 25% para as mulheres.

Quando comparamos o VO2 máximo médio atual, nosso ancestral apresentava uma capacidade superior, que estava relacionado com o grau e tipo de atividade física a qual ele era exposto. A atividade física por ele realizada também gerava uma maior quantidade de massa muscular.

Carga Genética

Podemos afirmar, considerando o gênero Homo, que estamos na terra a cerca 2,4 milhões de anos, cerca de 84 mil gerações e que nossa carga genética variou relativamente pouco durante todo esse período. É claro que algumas alterações ocorreram, porém podemos dizer que elas são pequenas considerando uma abordagem evolutiva. Entre elas podemos citar a alterações de cor da pele, dos olhos e dos cabelos dos indivíduos que migraram para locais como menor incidência de luz solar ou a manutenção da atividade da enzima responsável pela digestão da lactose na vida adulta.

É importante ressaltar que alterações mais significativas envolvendo grandes processos bioquímicos e fisiológicos necessitam de períodos maiores, por exemplo, uma alteração do sistema digestivo e do metabolismo dos nutrientes alimentares necessitaria de mais do que 10 ou 15 mil anos. O mesmo podemos dizer sobre as formas e tipos de estresse que melhoram nossas capacidades físicas, o que nos leva a considerar que uma abordagem evolutiva para prescrever programas de treinamento e programas alimentares apresenta uma sólida fundamentação.

Carlinhos

Referências Consultadas

Cordain, L; Friel, L. The Paleolithic Athlete: Original Cross Trainer. In:The Anthropology  of Sport and Human Movement edited by Robert, SR; Linda, SR. Lexington Books, Maryland, 2010.

Cordain, L at al. Malaria and Rickets Represent Selective Forces for the Convergent Evolution of Adults Lactase Persistence. In: Biodiversity in Agriculture: Domestication, Evolution and Sustainability, edited by Gepts, P et al. Cambridge University Press, New York, 2012.

Eaton, SB et al. The Ancestral Biomedical Environmnet. In: Endothelial Biomedicine edited by William, CA. Cambridge University Press, New York, 2007.

Eaton, SB et al. Diet-dependent acid load, Paleolithic diet, and evolutionary health promotion. Am J Clin Nutr 91:295-7, 2010.

O’Keefe, JH et al. Organic Fitness: Physical Activity Consistent with Our Hunter-Gatherer Heritage. Physician and Sportsmedicine 4:38, 2010.

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