terça-feira, 14 de junho de 2016

Exercício Aeróbico Extremo e o Coração

This text is a translation. The original text can be read here.

No último domingo (12/6/16) ocorreu  a 33° Maratona Internacional de Porto Alegre, foram cerca de 7000 considrando todas as distâncias da prova (42km, 21km, 10km, 5 km e 3km). Foi um grande evento e durante todo o domingo foi possível ler nas redes sociais histórias que exaltavam o desempenho, o esforço e a superação dos participantes.


Aproveitando o tema resolvi postar hoje a tradução livre de um texto de Lisa Rosenbaum, correspondente do New England Journal of Medicine e cardiologista no Brigham and Women´s Hospital de Boston. O texto original pode ser lido aqui. Esse texto fala sobre o treinamento aeróbico e quando ele poderia ser prejudicial para a saúde cardiovascular.



É um texto muito interessante que levanta uma hipótese que deve ser considerada e analisada através da ciência baseada em evidência e da abordagem evolutiva.

Boa leitura!


Exercício Extremo e o Coração

Todos os corredores já ouviram falar de tragédias que envolveram praticantes dessa atividade. O maratonista Alberto Salazar aos quarenta e oito anos sofreu um ataque cardíaco e “esteve” morto por catorze minutos antes que um “stent” desbloqueasse uma de suas artérias coronárias e salvasse sua vida. Micah True, o ultra maratonista que é personagem central do best-seller "Born to Run", saiu para uma corrida de 19 quilomêtros no deserto do Novo México e mais tarde foi encontrado morto. Ryan Shay morreu durante o treinamento para a maratona dos Jogos Olímpicos de 2008. Há também a história da primeira maratona em si, quando Filipides depois de completar os 42 quilomêtros, desmaiou e morreu. Estas mortes são ainda mais chocantes porque a condição física das pessoas falecidas parece protegê-las de doenças cardíacas. Centenas de estudos, bem como a nossa própria intuição, associam o exercício com a saúde cardíaca. Mas, nos últimos anos, um pequeno grupo de cardiologistas tem investigado uma hipótese que considera a ocorrência dessas tragédias não tão chocante, afinal de contas: eles acreditam que o excesso de exercício realmente danifica o coração.

O maior proponente desta hipótese é James O'Keefe, cardiologista e diretor de cardiologia preventiva do Mid America Heart Institute, em Kansas City, Missouri. Em uma palestra do TEDx em 2012, bem como em uma série de editoriais e comentários, O'Keefe argumenta que o exercício além de um certo limite pode levar a doenças cardíacas e, possivelmente, diminuir os benefícios do exercício moderado. Em um comentário onde ele é coautor, intitulado "Eventos Cardiovasculares Potencialmente Adversos do Exercício Excessivo", O'Keefe sugere que exercício extremo "não é propício para a boa saúde cardiovascular a longo prazo" e adverte contra a suposição de que, se o exercício moderado é bom, mais exercício intenso e prolongado deve ser melhor. "Darwin estava errado sobre uma coisa", diz O'Keefe. "Não é a sobrevivência do mais apto, mas a sobrevivência do moderadamente em forma”.

Para aqueles de nós que acreditam no ditado "a virtude esta no meio termo" este argumento faz sentido. O exercício continua a ser uma das melhores coisas que você pode fazer para melhorar sua saúde cardiovascular, mas você certamente não precisa correr maratonas para conseguir os benefícios. Quantidades moderadas de exercício ao longo da vida são perfeitamente adequadas. Os atletas que se exercitam de forma extrema geralmente o fazem para fins que não a sua saúde, o fazem pela competitividade, exigência profissional ou outras razões. Mas reconhecer que o exercício além de certa quantidade não gera maior benefício cardiovascular é bem diferente do que sugerir que o exercício extremo possa causar dano cardiovascular.

O'Keefe argumenta que o exercício além de um certo limiar aumenta o risco cardiovascular. Dada à complexidade do coração, o argumento é difícil de ser questionado. Para o coração para fazer seu trabalho, as artérias coronárias deve estar desobstruídas, os impulsos elétricos precisam ser coordenados e rítmicos e próprio músculo deve ser capaz de relaxar. O exercício afeta estes sistemas tanto direta como indiretamente, ao mitigar muitos dos fatores de risco, como obesidade e a pressão arterial elevada, que são as principais causas de doença de coração. Como o exercício afeta todos estes sistemas, O'Keefe pode estar certo e errado ao mesmo tempo.

Primeiro, a má notícia para os maratonistas e outros atletas de resistência extrema. Excesso de exercício tem sido consistentemente associado com fibrilação atrial, uma perturbação do ritmo que aumenta o risco de acidente vascular cerebral e deixa algumas pessoas se sentindo fracas e sem fôlego. Um estudo analisou as taxas de fibrilação atrial em mais de cinquenta mil homens suecos que tinham participado da Vasaloppet, uma prova cross-country de esqui de noventa quilômetros, ao longo de um período de dez anos. Aqueles que completaram o maior número de provas ou que tiveram os melhores tempos pareciam ter um maior risco de fibrilação atrial.



Então, o quão alto é o risco? A magnitude varia, mas alguns dados sugerem que o risco de fibrilação atrial para atletas extremos pode ser cinco vezes maior quando comparado com pessoas sedentárias. Como isso soa de forma dramática, Brian Olshansky, um especialista cardíaco de Iowa e um corredor ávido, ajudou a esclarecer o contexto: "Digamos que o risco de vida de uma pessoa com fibrilação atrial é de 0,3 por cento", disse ele. (O risco varia dependendo de vários fatores, como idade e obesidade) "Um aumento de cinco vezes ainda deixa o risco de vida por fibrilação atrial em apenas 1,5 por cento”.

As estimativas de risco podem ser difíceis e “podem nos fazer quebrar a cabeça”, no entanto, não importa o quão bem nós podemos prever a probabilidade de algo acontecer no futuro, uma vez que aconteça a probabilidade passa a ter pouca ou nenhuma importância. Pode ser por isso que John Mandrola, um médico cardiologista do Baptist Medical Associates, em Louisville, Kentucky, adverte cada vez mais contra o exercício extremo. Mandrola foi um ciclista de elite durante décadas, e alguns anos atrás, ele caiu de sua bicicleta. Apesar das dolorosas fraturas nas costelas, ele rapidamente retomou a atividade; em seu primeiro treino de 32 quilômetros após o acidente, Mandrola começou a sentir falta de ar, tonturas e perdeu suas forças. Ele sentiu a sensação que havia lhe sido descrita diversas vezes por seus pacientes, a sensação de uma “borboleta em sua garganta”. Ele estava em fibrilação atrial.

Uma vez que o medo imediato de acidente vascular cerebral passou, o medo de Mandrola tornou-se existencial: Teria sua vida mudado irremediavelmente? Durante anos, ele tinha sido um ciclista que passou a ser um cardiologista. Agora ele era apenas um cardiologista. Alguns cientistas postulam que a inflamação pode desempenhar um papel importante na fibrilação atrial e Mandrola começou a ver suas escolhas de estilo de vida como "a inflamação do excesso." Ele acredita que a ideia do esforço extremo, a mentalidade de que nunca é suficiente pode gerar efeitos ruins muito além daqueles que podemos atribuir ao excesso de atividade física.

Como Mandrola, O'Keefe era uma ávido corredor. Ele ganhou o Sprint Triathlon de Kansas City cinco anos seguidos. Porém, na meia-idade, ele decidiu mudar seus caminhos. No início de sua palestra no TEDx, refletindo sobre seus hábitos anteriores, ele diz: "Eu estou preocupado que eu possa ter cometido um erro fatal". Em um editorial, que reflete em grande parte a palestra do TEDx, O'Keefe e seu colega Carl Lavie sugerem que o exercício vigoroso deve ser limitado "entre trinta e cinquenta minutos por dia." Eles concluem que "correr longas distâncias, muito rápido e por muitos anos, pode acelerar seu progresso em direção a linha de chegada da vida." o editorial recebeu grande atenção da mídia e de certa forma uma atenção alarmista, incluindo um artigo no Wall Street Journal intitulado "um tênis de corrida no túmulo".

Existe alguma razão para acreditar que os anos de competição de resistência de O'Keefe irão encurtar sua vida, ou piorar sua saúde cardiovascular? Até o momento, não. Primeiro de tudo, as informações vindas de estudos nessa área, como os dados de Paul T. Williams do National Runners’ Health Study, sugerem que os factores de risco para doença cardiovascular continuam a melhorar com o aumento da quantidade de exercício. Quando se trata de associação específica entre o exercício extremo e mortalidade, associações estatisticamente rigorosas são difíceis de encontrar, porque em qualquer população poucas pessoas, do ponto de vista relativo, se exercitam de forma extrema.

Por exemplo, um estudo citado por O'Keefe para sugerir que os benefícios de mortalidade são perdidos com o aumento demasiado do volume e intensidade do exercício analisarou as taxas de mortalidade entre quase dezoito mil corredores em Copenhague. Os autores do estudo, publicado no American Journal of Epidemiology, concluíram que, quando comparando com os não corredores, corredores viveram, em média, de cinco a seis anos a mais. Mas, em sua discussão sobre se o exercício mais intenso foi associado com algum tipo de prejuízo, os autores foram muito mais circunspectos: "Não temos evidência para apoiar que correr mais rápido ou mais frequentemente seja prejudicial, nem os nossos dados limitados podem desconsiderar essa possibilidade”.

Outro estudo citado no editorial de O'Keefe e Lavie descobriu que, em mais de quatro mil pessoas em Taiwan, quarenta e cinco minutos de exercício vigoroso por dia foi associado com uma diminuição no risco de morte de quarenta por cento. Ao descrever este estudo, O'Keefe e Lavie citam que "além dos 45 minutos, um ponto de retorno decrescente é alcançado, depois desse ponto o exercício não parece traduzir-se em menor risco de morte." Eles compararam o exercício aos medicamentos , uma analogia O'Keefe frequentemente faz. "Como pode ser esperado com qualquer medicamento potente, uma dose insuficiente não vai conferir os benefícios ideais, enquanto que uma dose excessiva pode causar danos e até mesmo a morte."

Mas, antes da publicação do editorial, O'Keefe e seus colegas escreveram uma carta aos autores do estudo de Taiwan. Eles perguntaram se os dados de Taiwan realmente sugeriam que o exercício excessivo poderia ser prejudicial. A carta é citada no editorial, Wen escreve: "Nós não fomos capazes de identificar um limite superior de atividade física, seja moderada ou vigorosa, acima do qual mais malefício do que benefício poderia ocorrer em relação a expectativa."

O'Keefe comentou sobre a resposta de Wen, chamando a atenção para que aquilo que foi considerado exercício “vigoroso" no estudo de Taiwan era muito menos intenso do que o que os médicos nos EUA considerariam “vigoroso”. Ele permanece, assim, preocupado com a alta intensidade, com a duração exagerada, como nas maratonas. Embora reconhecendo que todos os dados que temos são observacionais e, portanto, "especulativos", ele afirmou que "enquanto não parece que exagerar nos exercícios possa reduzir a longevidade, parece que isso não diminui os benefícios gerados pelo exercício menos intenso”.

Depois da analise dos dados e de considerar a opinião de especialistas na área, parece que entre as pessoas sem doença cardiovascular conhecida não há dados convincentes para sugerir que a mortalidade é significativamente diferente para a realização exercícios moderados e mais intensos. Assim, não há maneira de definir com precisão um limite superior de exercício para um indivíduo saudável. Podemos suspeitar, no entanto, que parte daqueles que sustentam a ideia de que "muito exercício pode matá-lo", reconhecem o chamado paradoxo do exercício.  Paradoxo que afirma existir uma diminuição da probabilidade do risco de um evento cardíaco com a prática do exercício regular, mas, se você está destinado a ter um ataque cardíaco é mais provável que ele aconteça enquanto você estiver exercitando intensamente. É por isso que ninguém pode garantir que o exercício intenso é seguro. É também por isso que muitos pesquisadores têm tentado descobrir como tornar o exercício extremo o mais seguro possível.

Um estudo, conduzido por Aaron Baggish e Jonathan Kim e publicado no New England Journal of Medicine, examinou as taxas de parada cardíaca entre onze milhões de maratonistas durante um período de dez anos. Cinquenta e nove casos de parada cardíaca ocorreram durante a realização das provas, traduzindo-se em cerca de uma parada cardíaca para cada cento e oitenta e quatro mil participantes. Os homens apresentaram maior risco do que as mulheres, e as duas principais causas de morte foram cardiomiopatia hipertrófica (a principal causa de morte entre os jovens atletas) e doença arterial coronariana.

Em outro estudo que avaliou o tamanho do coração e seu funcionamento entre sessenta participantes da maratona de Boston enquadrados no grupo “não-elite”, Malissa Wood e Tom Neilan descobriram que, imediatamente após a corrida, uma percentagem de corredores apresentavam evidência de um aumento das câmaras coração e também aumento na sua rigidez. Além disso, duas das enzimas que sinalizam danos das células cardíacas tiveram um ligeiro aumento em um pouco mais da metade dos maratonistas. Isso ajuda a explicar por que o exercício pode desmascarar a doença existente. Como explicou Wood, "Se até mesmo os corações mais saudáveis após uma maratona aprecem com alterações das enzimas cardíacas ou demonstram função de bombeamento reduzida, aqueles com corações doentes provavelmente terão mais problemas”.

Isto quer dizer que aqueles que não são atletas profissionais deveriam abrir mão de participar de maratonas? Absolutamente não. Existem informações importantes, surgidas a partir desses estudos, sobre como completar com segurança uma maratona. O primeiro passo é treinar adequadamente. Talvez a descoberta mais importante do estudo de Wood seja que o grau de dano detectável era menor, ou completamente ausente, entre aqueles que tinham treinado, treinando mais de 28 quilômetros por semana, ao contrário daqueles que correram 22 quilômetros ou menos. Em segundo lugar, enquanto o exercício é uma das melhores coisas que você pode fazer para prevenir doenças cardiovasculares, aqueles que se exercitam não estão imunes. Começar um programa de exercício intenso na meia-idade não pode apagar danos as arteriais coronarianas resultantes de anos de tabagismo ou de pressão arterial não controlada. Finalmente, se você tem fatores de risco para doenças cardíacas, incluindo história familiar estes devem ser avaliados por um médico antes de iniciar um regime de exercícios intensos. Nós podemos fugir de algumas coisas, mas não podemos fugir daquilo que foi determinado pelos nossos genes.

Por favor deixe sua opinião e/ou experiência sobre o tema abordado na forma de um comentário. 

Antecipadamente agradeço! Abraços,

Carlinhos