Treinamento para atletas e não atletas

Bem pessoal, vamos falar sobre como devemos treinar para desenvolver a aptidão física e a saúde.

Existe diferença entre o treinamento de atletas e não atletas?
Começo essa postagem explicando para vocês dois termos usados por um ex-colega da pós-graduação chamado Leonardo Ribas, treinador de atletismo da SOGIPA há mais de 20 anos, ele usa duas expressões que eu gosto muito, o atleta profissional e o profissional atleta. Atleta profissional é aquele que tem o desporto como profissão, nessa categoria incluímos jogadores de futebol, voleibol, corredores de 100 metros rasos, maratonista entre outros. O profissional atleta é o indivíduo que usa o desporto ou a pratica de exercícios com fins recreacionais e/ou de saúde, ou seja, são todas as pessoas que não vivem do esporte competitivo de alto nível.
Pergunto para vocês! Qual a diferença entre o treinamento e as exigências entre o atleta profissional (APro) e o profissional atleta (ProA)? Vou tentar responder essa pergunta mostrando primeiramente o que eu acredito ser incomum ao APro e ProA. As tarefas executadas pelos Apro (determinado desporto) e as atividades realizadas pelos ProA (atividades diárias [ADLs]) apresentam uma série de pontos semelhantes1, são eles:
a. Elas envolvem habilidade de aplicação de força contra o solo.
                b. As forças são transmitidas através dos segmentos do corpo.
c. As atividades são realizadas em diferentes planos de movimento, normalmente sem a utilização de máquinas para guiar os movimentos (maior liberdade de movimentos). Consequentemente necessitam de controle e estabilização da massa corporal e/ou de objetos.
d. As tarefas, enquanto frequentemente repetitivas, são de natureza breve. De fato são rápidas onde os picos de produção de força são a regra mais do que a exceção.
e. Para executar as tarefas propostas, devido aos níveis de exigência e do equilíbrio imposto, são necessárias posições que regularmente são utilizadas. Isto reforça as adaptações e os programas motores associados.
Bem! E o que é diferente? A diferença esta na exigência de produção de potência1. A necessidade de produção de potência é maior no APro do que no ProA. Imagine um salto realizado por um atleta de basquete para a disputa de um rebote, ele irá aplicar uma grande força contra o solo durante o movimento e isso necessitará ocorrer em um período curto de tempo gerando um elevado grau de potência (potência = força x velocidade). Agora pense em um individuo que esta subindo em um ônibus, ele também aplicará força contra o solo (degraus do ônibus), porém sua necessidade de potência será menor, mas também irá existir.
Por estas razões acredito ser necessário repensar as diferenciações feitas entre APro e ProA. Muitos movimentos esportivos (ex. correr e saltar) são movimentos das ADLs realizados com maior potência. Isto pode significa que o treinamento para APro e ProA apresenta mais semelhanças do que diferenças, ou seja, um programa para aptidão física e saúde não deve ser diferente de um programa de treinamento para determinado desporto no que diz respeito aos seus elementos fundamentais.

Quais eram as demandas diárias do nosso ancestral caçador coletor?
Como eu já havia comentado em postagens anteriores, nosso ancestral caçador coletor tinha uma dieta e estilo de vida bastante diferente das que as pessoas “civilizadas” apresentam hoje. Achados arqueológicos sugerem que esse ancestral era mais magro, mais apto fisicamente e não apresentava sinais ou sintomas de doenças degenerativas2. Após o surgimento da agricultura, há cerca de 10.000 anos atrás, começou um gradativo processo de deterioração da aptidão e saúde dos seres humanos3 que vem até os dias de hoje. Dados do IBGE4, disponíveis para consulta eletrônica, demonstram um aumento no sobrepeso e obesidade em crianças de 5-9 anos entre os anos de 1974 e 2009.
Bem, mas em relação aos esforços que nosso ancestral precisava fazer durante seu dia, quais eram as suas características? O antropologista Dr. Kim Hill da Universidade do México estudou por 30 anos tribos de caçadores coletores no Paraguai e Venezuela5, através do seu trabalho podemos ter uma boa ideia de quais eram as atividades diárias do nosso ancestral. As caçadas de grandes animais exigiam que distâncias médias entre 10-12 km fossem percorridas por dia (correndo e caminhando) e durante essas caçadas cerca de 1-2 km eram percorridos com esforços vigorosos e extenuantes.  Uma dessas tribos os Ache no Paraguai, quando caçavam macacos mantinham velocidades de caminhada entre 1,5 e 3 km/h na selva, porém era necessário que períodos de até 60 minutos fossem cumpridos realizando tiros de 20 a 30 segundos em ritmo extenuante. Após as caçadas era necessário carregar as presas abatidas, que podiam pesar vários quilos, por longas distâncias.
O trabalho de busca de alimento era feito em um regime de cooperação entre homens e mulheres e entre mulheres e mulheres3, mas elas não participavam das caçadas de grandes animais6. As mulheres normalmente cumpriam as tarefas que envolviam a caçada de pequenos animais, coleta de vegetais, raízes e busca por água6. Uma tarefa realizada pelas mulheres envolvia carregar as crianças no colo até que completassem 4 anos de idade. E durante esse período percorriam distâncias de 4800 km7.
É bastante plausível acreditar que nosso ancestral pré-agricultura, tanto homens como mulheres, durante todas as tarefas citadas anteriormente tivessem que realizar diferentes movimentos tendo como resistência seu peso corporal. Entre eles podemos imaginar saltos, agachar e levantar, empurrar seu corpo ou puxar seu corpo para cima para pegar uma presa ou fugir de um predador. Analisando estes padrões de movimentos veremos o envolvimento de diversas articulações em cada movimento, como também em muitos deles a necessidade de um movimento corporal complexo. Pensando dessa forma eles não utilizavam ações musculares isoladas e sim ações musculares integradas.

Considerações Finais
Pois bem, levando em conta as informações anteriores imagino que seja possível perceber semelhanças entre as atividades dos APro, das ADLs e do nosso ancestral. Se considerarmos que os esforços realizados pelo nosso ancestral moldou nossa carga genética, e que a sua saúde era melhor que da maioria das pessoas hoje, talvez seja prudente que um programa de treinamento considerando essas características fosse indicado para manter a aptidão física e saúde nos dias atuais.
Creio que esse programa de treinamento deva possuir características semelhantes às características que muitos programas de treinamento possuem atualmente. Entre eles temos o CrossFit8, CrossFit Endurance9, o Core 36010, Pilates11, método FIRST12, Treinamento Funcional12,13,14,15 e Exercícios de Força sem Equipamentos16, Kettelbell Training17 e TRX Training18.

Minha intenção e usar todas as características que forem adequadas a nossa realidade e montar um programa de treinamento que englobe todos os aspectos importantes para a aptidão física e saúde.

Na próxima postagem pretendo iniciar a descrição detalhada das características desse programa!
Abração! Carlinhos

Referências
1.       Plisk S. Functional Training. In www.nsca-lift.org
2.       Eaton SB, et al. Stone agers in the fast lane: chronic degenerative diseases in evolutionary perspective. Am J Med. 1988;84:739-749
3.       O´Keefe JH, et al. Organic Fitness: Physical Activity Consistent with Our Hunter-Gatherer Heritage. Phys and Spotrsmed. 2012;38:1-8
5.       Loren C, Friel J. The Paleolithic Athlete: The Original Cross Trainer. In Ed. Sands RR, Sands LR (ed): The Anthropology of Sport and Human Movement – A Biocultural Perspective. Lexington Books – Maryland 2010.
6.       Cordain L, Friel J. The Paleo Diet for Athletes: A Nutritional Formula for Peak Athletic Performance. New York: Rodale Books; 2005. In O´Keefe JH, et al. Achieving Hunter-gatherer Fitness in the 21st Century: Back to the Future. Am J Med. 123;12:1082-1082, 2010.
7.       Panter-Brick C. Sexual division of labor: energetic and evolutionary scenarios. Am J Hum Biol. 2002;14:627-640.
8.       http://www.crossfit.com/

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