Treinamento Intervalado

Treinamento Intervalado

Dando uma olhada nos textos que escrevi anteriormente sobre as características dos esforços do nosso ancestral caçador coletor (a partir de agora vou abreviar ACC), qual delas vocês acreditam ser a característica que esta relacionada com o que a vida de forma geral e também com aquilo que a ciência do exercício tem mostrado ser o mais efetivo para a saúde e o emagrecimento?

Imagine uma criança no parque, ela esta no balanço e de repente sai correndo por uns 20 metros, sobe em um trapézio de ferro, depois salta em direção solo, corre por mais uns 30 metros, senta na gangorra e ali fica por “longos” 30 segundos, sai correndo novamente, encontra um amiguinho e começam a brincar de carrinho de mão (um segura pelos pés e outro “caminha” com as mãos no solo), daqui a pouco ela vai até o pai e pede um gole de água e respira por cerca de 1 minuto e recomeça tudo de novo e assim fica por cerca de 20-30 minutos.

Conseguiram perceber a característica em comum? São os intervalos! Intervalos fazem parte da vida, da mesma forma o ACC passava o dia, caçando, coletando raízes, buscando água, construindo ferramentas e providenciando abrigo.  Como eu já havia citado em outra postagem (link) O Dr. Kim, cientista que estudou por vários anos tribos de ACC atuais na América do Sul, descreve que os índios Aché do Paraguai quando caçavam macacos tinham que fazer diversos “tiros” de corridas rápidas durante períodos que podiam chegar a 60 minutos.

A ciência do exercício já demonstrou a efetividade da utilização dessa metodologia para as respostas de saúde e desempenho. Minha intenção é mostrar isso e discutirmos como colocarmos isso em um programa de exercícios.

O treinamento intervalado não é uma novidade, o primeiro treinador a utilizá-lo foi Woldemar Gerschker1 na época da II Guerra Mundial, ele tinha como objetivo treinar o coração e outros músculos. Para isso usou distâncias de 100-400 metros que eram repetidas por até 10 vezes com intervalos de 2-3 minutos.

Atualmente os treinamentos que apresentam essas características, são os programas que utilizam um princípio chamado de High Intense Interval Training – Treinamento Intervalado de Alta Intensidade (HIIT). Já foi demonstrado que esse princípio apresenta excelentes resultados, para vocês entenderem, vou citar um importante trabalho2 realizado por Izumo Tabata e colaboradores em 1996. O estudo foi realizado com exercício em bicicleta ergométrica, os participantes foram divididos em dois grupos. O primeiro grupo (TrCont) fez um treinamento contínuo onde a intensidade (esforço) era de 70% da VO2 máximo (medida de esforço máximo – expressa em mililitros de oxigênio consumidos em relação ao peso corporal por minuto [ml/kg/min]) e o tempo de cada sessão era de 60 minutos, 5 vezes por semana. O segundo grupo (TrHIIT) treinou 4 dias por semana e sua sessão (após o aquecimento) consistia de 8 vezes de 20 segundos a 170% do VO2 máximo com intervalos de 10 segundos, totalizando 4 minutos de exercício. Os dois grupos treinaram por um período de 6 semanas. No inicio e no final do programa de treinamento foram feitas as seguintes medidas:

·         VO2 máximo (capacidade aeróbica – capacidade de produzir energia com a presença de oxigênio nas reações químicas).
·         Capacidade anaeróbica (capacidade produzir energia sem a presença de oxigênio nas reações químicas).
·         Composição corporal (alteração da quantidade de gordura corporal).

O que mostraram os resultados?

·         O TrHIIT mostrou um aumento maior no VO2 máximo (de 7 ml/kg/min) do que o TrCont (3 ml/kg/min).
·         O TrHIIT aumentou a capacidade anaeróbica em 28% enquanto essa variável não teve aumento no TrCont.
·         O TrHIIT gerou uma maior diminuição de gordura corporal do que o TrCont.
·         O TrHIIT gerou alterações mais positivas do que o TrCont em uma quantidade muito menor de tempo por semana (TrHIIT - 16min/sem x TrCont - 300min/sem).

Hoje a utilização desse protocolo de treinamento recebe o nome de Tabata Training, é utilizada tanto em exercícios com características aeróbicas3-4 (corrida, remo, bicicleta e pular corda) com em exercícios com o peso corporal5 e exercícios de levantamento de peso e combinações6.

Os benefícios de protocolos treinamento intervalado também foram demonstrados em relação à capacidade de oxidação de gordura em mulheres7, a melhora da função ventricular em cardiopatas não isquêmicos8 e o aumento da capacidade das células do sistema imunológico9, mostrando que o HIIT pode trazer alterações positivas como o treinamento contínuo 10-11.

A forma e a intensidade do treinamento intervalado podem variar e mesmo assim gerar alterações positivas. Por exemplo, Trapp e colaboradores12 avaliaram os efeitos do TrHIIT e do TrCont em bicicleta ergométrica sobre a redução de gordura corporal total e segmentada (braços e pernas). Para isso usaram intervalos de 8 segundos em uma intensidade média de 85% da frequência cardíaca máxima (FCmáx) com intervalos de 12 segundos de repouso por um total de até 20 minutos. A FCmáx é uma medida de intensidade semelhante ao VO2máx, o esforço desse treinamento é bem inferior a 170% como foi utilizado por Tabata e colaboradores. Nesse mesmo trabalho o TrCont teve uma intensidade média de 80% da FCmáx. Os resultados desse estudo mostraram que o TrHIIT foi associado com alterações significativas do peso corporal, gordura corporal total, gordura dos braços e das pernas e também no perfil de insulina sanguínea (que tem relação com menores riscos de diferentes patologias).

Em um uma revisão de literatura sobre HIIT Gibala13 descreve que intensidades de 90% da capacidade média são efetivas para as melhoras relacionadas ao HIIT e que volumes de cerca de 5 minutos por sessão, realizados 3 vezes por semana seriam suficientes para resultados positivos.

Um ponto importante que deve ser considerado é a segurança desse tipo de treinamento. Para isso vamos analisar um trabalho14 realizado por Wisslof e colaboradores em 2007. O estudo foi realizado com pacientes com deficiência cardíaca pós-infarto agudo do miocárdio que apresentavam uma redução de cerca de 60% na capacidade de bombeamento de sangue do coração (chamada de ejeção ventricular). Participaram do trabalho pacientes do sexo masculino com idade média de 75 anos, que concluíram um programa de treinamento de 12 semanas. Eles foram divididos de forma aleatória em 3 grupos, um grupo que realizou treinamento intervalado com intensidade entre 90-95% da FCmáx (TrHIIT), outro que realizou treinamento contínuo com intensidade entre 70-75% da FCmáx (TrCont) e um terceiro grupo que não fez nenhum treinamento (grupo controle). Os autores avaliaram as alterações geradas por cada tipo de treinamento sobre: capacidade aeróbica (VO2máx), ejeção ventricular, função endotelial, qualidade de vida entre outras variáveis.

Os resultados foram:
·         O TrHIIT aumento o VO2máx em 46% enquanto o aumento de TrCont foi de 14%.
·         O TrHIIT apresentou um melhora significativa na capacidade de ejeção ventricular enquanto o TrCont não apresentou alteração nessa variável.
·         A função endotelial, que é um fator de estimativa de risco cardiovascular, melhor de forma mais representativa no grupo TrHIIT do que no grupo TrCont.
·         As alterações na qualidade de vida (para cardiopatas) foram iguais entre os dois grupos (TrHIIT e TrCont).
·         O grupo TrHIIT teve uma tendência de demonstrar uma menor quantidade de triglicerídeos e glicose sanguínea (açúcar no sangue) em jejum quando comparados os valores pré e pós-treinamento do que o grupo TrCont.
·          O grupo TrHIIT demonstrou uma tendência de um maior aumento do colesterol HDL no pós-treinamento do que o grupo TrCont.
·         Nenhum efeito adverso do treinamento foi detectado em qualquer um dos grupos.

As informações acima reforçam o conceito de treinamento intervalado de intensidade elevada como uma forma efetiva de treinamento para condicionamento físico e saúde. Pois o TrHIIT pode gerar as mesmas alterações positivas do TrCont de intensidade moderada, em algumas variáveis é mais efetivo nas mudanças, gera essas modificações com um menor tempo por sessão e não apresenta nenhum efeito deletério.

 As características do TrHIIT quando combinadas com o conceito treinamento de funções e não músculos, com o conceito de um centro (região abdominal, lombar e pélvica) forte para a transferência de força entre os segmentos corporais, com o conceito de variação de esforços e movimentos e um protocolo de melhora da flexibilidade e amplitude articular pode representar uma maneira extremamente efetiva de alcançar condicionamento físico e saúde.

Bem galera...concluindo!
A utilização de sessões de treinamento que incluam exercícios intervalados é uma abordagem evolutiva, apresenta amparo na ciência baseada em evidências e tem capacidade de gerar alterações positivas para o condicionamento físico e saúde.

Na próxima postagem continuamos falando sobre exercício...
Abração...Carlinhos...

Referências:
7.       Talanian JL, et al. Two weeks de high-intensy aerobic interval training increase the capacity for fat oxidation during exercise in women. J Appl Physiol 102:1439-1447, 2007.
8.       Tomczak, CR, et al. Effect of acute high-intensity interval exercise on postexercise biventricular function in mild heart failure. Appl Physiol 110: 398–406, 2011.
9.       Fisher G, et al. Lymphocyte enzymatic antioxidant responses to oxidative stress following high-intensity interval exercise. J Appl Physiol 110: 730–737, 2011.
10.   Tulppo MP, et al. Effects of aerobic training on heart rate dynamics in sedentary subjects. J Appl Physiol 95: 364–372, 2003.
11.   Fisher G, et al. Aerobic exercise training conserves insulin sensitivity for 1 yr following weight loss in overweight women. J Appl Physiol 112: 688–693, 2012.
12.   Trapp EG, et al. The effects of high-intensity intermittent exercise training on fat loss and fasting insulin levels of young women. International Journal of Obesity. 32, 684–691, 2008.


14.   Wisløff U, et al. Superior Cardiovascular Effect of Aerobic Interval Training Versus Moderate Continuous Training in Heart Failure Patients. A Randomized Study. Circulation. 115:3086-3094, 2007.

4 comentários:

  1. Olá, sou Gustavo, já sigo o blog paleo - low carb e estava pesquisando sobre o HIIT, aí vai a dúvida:
    Esses treinos intervalados podem ser executados antes da musculação ou de preferencia depois dela??

    Ps: Gosteeei muuuito do seu blog, finalmente tenho um lugar de confiança para tirar dúvidas!!!
    Obrigado!!!!

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  2. Olá Gustavo, obrigado pelo elogio. Imagino que esteja falando em fazer HIIT com corrida/bicicleta, se for isso sugiro que tu o faça no final do treino de musculação. Sugiro que faça 5-10min e nos dias em que o treinamento de pernas não seja realizado ou a intensidade se moderada. Você pode usar o seguinte treino como exemplo: 30seg pedalando em pé muito forte com intervalo de 2min em ritmo moderado/fraco, repetir isso os intervalos de 30 seg 3 ou 4 vezes. Abraço.

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  3. Olá,
    gostaria de saber algum curso/treinamento de hiit que voce aconselha. Se possível em Belo Horizonte ou Ipatinga MG.
    obrigada

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  4. Respondo tua pergunta considerando que estejas me questionando sobre treinamentos para que profissionais da educação física aplicam esse treinamento. Muitos cursos de treinamento funcional usam essa metodologia, como os do Core 360. Informações muito boas podem ser conseguidas nos livros de atletismo nos capítulos que se referem ao treinamento de velocistas.

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